Agosto Lilás: Como a violência institucional e a morosidade da justiça afetam as mulheres?
- quarta-feira, 7 de agosto de 2024.
Na segunda matéria da campanha especial do Agosto Lilás - Não tem "Desculpa"! a Fenajud (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados) traz um aspecto crucial e muitas vezes negligenciado: a violência institucional e como a morosidade da justiça impacta as mulheres. As advogadas Laura Tasca (OAB-RJ 246493) e Hyezza Tavares (OAB-BA 69865) analisam esse contexto e comentam como é na prática.
A Lei nº 14.321/2022 diz que violência institucional ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a "procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização". Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa. Mas isso tem ocorrido dentro da estrutura do Judiciário?
Para a advogada Laura Tasca, "as principais formas de violência institucional que as mulheres podem enfrentar dentro do sistema judicial são a re-vitimização, descredibilização das queixas e tratamento discriminatório baseado em preconceitos de gênero e raça".
Essas violências acontecem quando a mulher é submetida a questionamentos repetitivos e invasivos, e esses podem trazer à tona traumas passados e causar sofrimento adicional. A descredibilização das queixas se manifesta na tendência de alguns profissionais de negar as queixas das vítimas, minimizando a gravidade da violência sofrida e questionando sua veracidade. No caso do O tratamento discriminatório, esse ocorre divido aos preconceitos de gênero e raça, resultando em um tratamento desigual e injusto das mulheres, especialmente aquelas de grupos minoritários.
O resultado dessas práticas é o impacto negativo que causa nas mulheres, que, na busca de evitarem isso, perdem o incentivo em denunciar abusos, perpetuando o ciclo de violência e desigualdade. "A falta de uma resposta adequada e sensível do sistema judicial pode levar as vítimas a sentir que não são levadas a sério e que suas experiências de violência são menosprezadas", destacou Laura.
Entre as ações para combater esse tipo de violência institucional está a "capacitação contínua dos profissionais, a criação de protocolos de atendimento que evitem a re-vitimização e a promoção de uma cultura de respeito e sensibilidade às necessidades das vítimas".
Hyezza acrescenta que, além dos desafios citados acima (re-vitimização, descredibilização das queixas e tratamento discriminatório), existe a litigância abusiva, que acontece quando uma parte usa o sistema judicial como uma arma para atormentar a outra parte. Esse tipo de atitude pode prolongar o processo e criar obstáculos adicionais para a vítima, sendo comum o uso dos filhos, especialmente em casos de abuso sexual.
"Um problema particularmente controverso é a aplicação da teoria da alienação parental, que tem sido amplamente criticada e rechaçada mundialmente. Essa teoria sugere que um dos pais, geralmente a mãe, está "alienando" a criança do outro pai, frequentemente o agressor. Essa visão tem sido usada para desacreditar mulheres e vítimas de abuso sexual, promovendo a satisfação do agressor e muitas vezes ignorando o impacto real do abuso sobre a criança e a vítima - a lei ainda desconsidera o contexto de abuso e pode levar a decisões judiciais que favorecem o agressor, prejudicando ainda mais as vítimas e as crianças envolvidas", pontua Hyezza.
MOROSIDADE DA JUSTIÇA
Outro problema crítico que afeta a vida das mulheres vítimas de violência é a morosidade da justiça, que pode significar demora na concessão de medidas protetivas, lentidão nas investigações e longos períodos até que casos sejam julgados. Essa lentidão pode ser causada por diversos fatores, que incluem: falta de recursos, sobrecarga de trabalho dos servidores nos tribunais e procedimentos burocráticos complexos.
Essa lentidão pode ter consequências devastadoras para as vítimas, inclusive fatal. "Quando os processos judiciais se arrastam por muito tempo, as vítimas enfrentam uma série de problemas, físicos e psicológicos. O prolongamento da exposição ao perigo é um dos maiores desafios. Enquanto o caso está pendente, as mulheres continuam a viver sob a ameaça constante do agressor. Elas permanecem vulneráveis a novas agressões, gerando frustração, estresse, desânimo e descrédito quanto ao judiciário fazendo com que novas denúncias não sejam realizadas e levando até o ápice da violência, como o feminicídio", enfatizou Hyezza.
Outro problema crítico é a perda de provas e testemunhas. Com o passar do tempo, coletar provas e encontrar testemunhas se torna cada vez mais difícil, e a lentidão pode levar à deterioração de evidências importantes e ao esquecimento ou dificuldade de contato com testemunhas, prejudicando a qualidade do julgamento e a chance de uma resolução justa. Em casos envolvendo feminicídio, ao ir a júri, além da espera da família por respostas, o júri pode ser influenciado pela demora, morosidade e pelo tempo do homicida em liberdade afetando decisões de seus pares. Implementar procedimentos judiciais acelerados pode ajudar a reduzir o tempo de tramitação, para respeitar e estabelecer prazos mais curtos para audiências e decisões.
Porém, a base para qualquer procedimento que envolva crises, principalmente ligadas a formas umbilicais da sociedade como o machismo e a violência intrafamiliar, precisa vir por políticas públicas eficazes na conscientização e educação da base do trabalhador brasileiro que muitas vezes é distanciando de informações. "Os discursos de ódio contra mulheres são cada vez mais ininterruptos e chegam aos jovens de forma muito mais eficaz que uma abordagem de qualidade contra a violência. O judiciário deveria ser a última arma, pois nele já há uma violência", conclui Hyezza .
Para Laura, "a criação de varas especializadas em violência doméstica pode garantir que esses casos sejam tratados com a urgência necessária por profissionais capacitados para lidar com a violência de gênero. A aplicação imediata das medidas protetivas é essencial para garantir a segurança das vítimas, com um acompanhamento rigoroso para assegurar o cumprimento das ordens judiciais. Além disso, é importante desenvolver sistemas de monitoramento e fiscalização eficazes para garantir que os agressores cumpram as medidas protetivas e as vítimas recebam o suporte necessário durante todo o processo judicial".
Quanto à raça, ela pontua que "existe uma diferença significativa nas práticas de violência quando se considera a raça, com mulheres negras e indígenas enfrentando abusos específicos devido ao racismo institucional e estrutural".
"Elas são mais propensas a serem estigmatizadas e menos acreditadas em suas queixas, além de enfrentarem maior dificuldade de acesso à justiça e aos serviços de proteção. Estatísticas mostram que mulheres negras têm uma taxa de feminicídio significativamente maior do que mulheres brancas, e muitas vezes as políticas públicas não atendem adequadamente às suas necessidades, perpetuando sua invisibilidade e marginalização. De maneira similar, mulheres indígenas enfrentam desafios únicos devido ao contexto sociocultural de suas comunidades, exigindo adaptações na aplicação da Lei Maria da Penha que respeitem e compreendam suas especificidades culturais. Lélia Gonzalez destacou que o racismo e o sexismo na cultura brasileira se interseccionam de maneiras que afetam profundamente as mulheres negras, perpetuando uma dupla opressão muitas vezes invisível para as políticas públicas tradicionais. A interseccionalidade de gênero e raça coloca as mulheres racializadas em uma posição de vulnerabilidade aumentada, onde as discriminações se sobrepõem e agravam as experiências de violência", enfatizou Laura.
Para garantir que todas as mulheres tenham acesso igualitário à justiça e à proteção, ela acredita que "as políticas públicas e medidas protetivas devem ser adaptadas. Isso inclui a implementação de programas específicos para apoiar mulheres negras e indígenas, a capacitação de profissionais para lidar com a interseccionalidade das discriminações e a promoção de uma cultura de igualdade e respeito dentro do sistema judicial e dos serviços de apoio. Reconhecer as particularidades das mulheres racializadas e criar políticas inclusivas são essenciais para combater a violência de forma eficaz e garantir um sistema de justiça equitativo para todas as mulheres".
Assessoria SindJustiçaRN, com Fenajud
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A Lei nº 14.321/2022 diz que violência institucional ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a "procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização". Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa. Mas isso tem ocorrido dentro da estrutura do Judiciário?
Para a advogada Laura Tasca, "as principais formas de violência institucional que as mulheres podem enfrentar dentro do sistema judicial são a re-vitimização, descredibilização das queixas e tratamento discriminatório baseado em preconceitos de gênero e raça".
Essas violências acontecem quando a mulher é submetida a questionamentos repetitivos e invasivos, e esses podem trazer à tona traumas passados e causar sofrimento adicional. A descredibilização das queixas se manifesta na tendência de alguns profissionais de negar as queixas das vítimas, minimizando a gravidade da violência sofrida e questionando sua veracidade. No caso do O tratamento discriminatório, esse ocorre divido aos preconceitos de gênero e raça, resultando em um tratamento desigual e injusto das mulheres, especialmente aquelas de grupos minoritários.
O resultado dessas práticas é o impacto negativo que causa nas mulheres, que, na busca de evitarem isso, perdem o incentivo em denunciar abusos, perpetuando o ciclo de violência e desigualdade. "A falta de uma resposta adequada e sensível do sistema judicial pode levar as vítimas a sentir que não são levadas a sério e que suas experiências de violência são menosprezadas", destacou Laura.
Entre as ações para combater esse tipo de violência institucional está a "capacitação contínua dos profissionais, a criação de protocolos de atendimento que evitem a re-vitimização e a promoção de uma cultura de respeito e sensibilidade às necessidades das vítimas".
Hyezza acrescenta que, além dos desafios citados acima (re-vitimização, descredibilização das queixas e tratamento discriminatório), existe a litigância abusiva, que acontece quando uma parte usa o sistema judicial como uma arma para atormentar a outra parte. Esse tipo de atitude pode prolongar o processo e criar obstáculos adicionais para a vítima, sendo comum o uso dos filhos, especialmente em casos de abuso sexual.
"Um problema particularmente controverso é a aplicação da teoria da alienação parental, que tem sido amplamente criticada e rechaçada mundialmente. Essa teoria sugere que um dos pais, geralmente a mãe, está "alienando" a criança do outro pai, frequentemente o agressor. Essa visão tem sido usada para desacreditar mulheres e vítimas de abuso sexual, promovendo a satisfação do agressor e muitas vezes ignorando o impacto real do abuso sobre a criança e a vítima - a lei ainda desconsidera o contexto de abuso e pode levar a decisões judiciais que favorecem o agressor, prejudicando ainda mais as vítimas e as crianças envolvidas", pontua Hyezza.
MOROSIDADE DA JUSTIÇA
Outro problema crítico que afeta a vida das mulheres vítimas de violência é a morosidade da justiça, que pode significar demora na concessão de medidas protetivas, lentidão nas investigações e longos períodos até que casos sejam julgados. Essa lentidão pode ser causada por diversos fatores, que incluem: falta de recursos, sobrecarga de trabalho dos servidores nos tribunais e procedimentos burocráticos complexos.
Essa lentidão pode ter consequências devastadoras para as vítimas, inclusive fatal. "Quando os processos judiciais se arrastam por muito tempo, as vítimas enfrentam uma série de problemas, físicos e psicológicos. O prolongamento da exposição ao perigo é um dos maiores desafios. Enquanto o caso está pendente, as mulheres continuam a viver sob a ameaça constante do agressor. Elas permanecem vulneráveis a novas agressões, gerando frustração, estresse, desânimo e descrédito quanto ao judiciário fazendo com que novas denúncias não sejam realizadas e levando até o ápice da violência, como o feminicídio", enfatizou Hyezza.
Outro problema crítico é a perda de provas e testemunhas. Com o passar do tempo, coletar provas e encontrar testemunhas se torna cada vez mais difícil, e a lentidão pode levar à deterioração de evidências importantes e ao esquecimento ou dificuldade de contato com testemunhas, prejudicando a qualidade do julgamento e a chance de uma resolução justa. Em casos envolvendo feminicídio, ao ir a júri, além da espera da família por respostas, o júri pode ser influenciado pela demora, morosidade e pelo tempo do homicida em liberdade afetando decisões de seus pares. Implementar procedimentos judiciais acelerados pode ajudar a reduzir o tempo de tramitação, para respeitar e estabelecer prazos mais curtos para audiências e decisões.
Porém, a base para qualquer procedimento que envolva crises, principalmente ligadas a formas umbilicais da sociedade como o machismo e a violência intrafamiliar, precisa vir por políticas públicas eficazes na conscientização e educação da base do trabalhador brasileiro que muitas vezes é distanciando de informações. "Os discursos de ódio contra mulheres são cada vez mais ininterruptos e chegam aos jovens de forma muito mais eficaz que uma abordagem de qualidade contra a violência. O judiciário deveria ser a última arma, pois nele já há uma violência", conclui Hyezza .
Para Laura, "a criação de varas especializadas em violência doméstica pode garantir que esses casos sejam tratados com a urgência necessária por profissionais capacitados para lidar com a violência de gênero. A aplicação imediata das medidas protetivas é essencial para garantir a segurança das vítimas, com um acompanhamento rigoroso para assegurar o cumprimento das ordens judiciais. Além disso, é importante desenvolver sistemas de monitoramento e fiscalização eficazes para garantir que os agressores cumpram as medidas protetivas e as vítimas recebam o suporte necessário durante todo o processo judicial".
Quanto à raça, ela pontua que "existe uma diferença significativa nas práticas de violência quando se considera a raça, com mulheres negras e indígenas enfrentando abusos específicos devido ao racismo institucional e estrutural".
"Elas são mais propensas a serem estigmatizadas e menos acreditadas em suas queixas, além de enfrentarem maior dificuldade de acesso à justiça e aos serviços de proteção. Estatísticas mostram que mulheres negras têm uma taxa de feminicídio significativamente maior do que mulheres brancas, e muitas vezes as políticas públicas não atendem adequadamente às suas necessidades, perpetuando sua invisibilidade e marginalização. De maneira similar, mulheres indígenas enfrentam desafios únicos devido ao contexto sociocultural de suas comunidades, exigindo adaptações na aplicação da Lei Maria da Penha que respeitem e compreendam suas especificidades culturais. Lélia Gonzalez destacou que o racismo e o sexismo na cultura brasileira se interseccionam de maneiras que afetam profundamente as mulheres negras, perpetuando uma dupla opressão muitas vezes invisível para as políticas públicas tradicionais. A interseccionalidade de gênero e raça coloca as mulheres racializadas em uma posição de vulnerabilidade aumentada, onde as discriminações se sobrepõem e agravam as experiências de violência", enfatizou Laura.
Para garantir que todas as mulheres tenham acesso igualitário à justiça e à proteção, ela acredita que "as políticas públicas e medidas protetivas devem ser adaptadas. Isso inclui a implementação de programas específicos para apoiar mulheres negras e indígenas, a capacitação de profissionais para lidar com a interseccionalidade das discriminações e a promoção de uma cultura de igualdade e respeito dentro do sistema judicial e dos serviços de apoio. Reconhecer as particularidades das mulheres racializadas e criar políticas inclusivas são essenciais para combater a violência de forma eficaz e garantir um sistema de justiça equitativo para todas as mulheres".
Assessoria SindJustiçaRN, com Fenajud
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