Entrevista Especial: Luís Roberto Barroso (Jornal do Sisjern nº 65 dezembro/2011)
- domingo, 26 de maio de 2013.
Entrevista Especial: Luís Roberto Barroso
Brasil Constitucionalizado
A pauta - que de tão ampla, não era exatamente uma pauta, mas algo melhor - não foi proposta à toa. Luis Roberto Barroso gosta de pensar e de falar sobre o país. Acredita no Brasil.
Rudson Pinheiro Soares - jornalista
O advogado constitucionalista Luis Roberto Barroso, do Rio de Janeiro, contratado pelo Sisjern (ver pág. 5), esteve em Natal no dia 16/11, onde proferiu palestra no 10º Encontro Nacional dos Defensores Públicos. Momentos antes de sua participação no evento, ele recebeu - No Hotel Pestana, onde se encontrava hospedado - Bernardo Fonseca e Alexandre Negão, dirigentes do Sisjern, e Daniel Pessoa, advogado da entidade - acompanhados por mim, que cobria o papo. Terminada a reunião, Fonseca comunicou-lhe de nossa intenção de realizarmos uma entrevista com ele que, alegando pouco tempo ali, sugeriu a manhã seguinte, no caminho para o Aeroporto. Falei que o tempo era insuficiente e que eu precisaria me preparar. "Mas quanto tempo será?", perguntou-me. "Umas 2h", respondi. "Nossa, mas é para falar sobre o que tanto?" Indagou-me mais uma vez. "Sobre o Brasil", disse-lhe. Sorriso aberto, logo sua mão foi ao bolso, de onde tirou uma pequena agenda que, ao lê-la, perguntou-me: "Dia 05, às 15, em Brasília?" "Ok!", confirmei. A pauta - que de tão ampla, não era exatamente uma pauta, mas algo melhor - não foi proposta à toa. Luis Roberto Barroso gosta de pensar e de falar sobre o país. Acredita no Brasil.
No dia marcado, mas com meia-hora de antecedência, eu e Vinicius Mansur - repórter fotográfico capixaba radicado na capital federal - chegamos ao local da entrevista, o Escritório de Advocacia Luís Roberto Barroso & Associados, também instalado em Brasília. Às 15h, pontualmente, chegou nosso entrevistado. Por precaução, liguei dois gravadores. Conversamos sobre o Brasil, sob várias óticas, principalmente a constitucional, mas também a partir da trajetória de Barroso - o Brasil que ele viu e vê, ao longo de seus 53 anos.
Luis Roberto Barroso nasceu na pequena e bela Vassouras, cidade localizada ao sudoeste fluminense e que fora, no século de 19, a principal produtora de café do país. É filho dos advogados Roberto Bernardes Barroso e Judith Luna Soriano Barroso, falecida em 1982. Ele, católico, vassourense, homem do interior; Ela, judia, carioca, cosmopolita - criada em Montevidéu, Uruguai. "Esta marca de como eles respeitavam a origem e as crenças de cada um é uma marca importante que eu tenho em minha vida" costuma dizer o constitucionalista que, aos 15 anos, em função de intercambio estudantil, morou em Michigan, EUA, com uma família presbiteriana e, aos 30, quando cursou Mestrado em Direito Constitucional na Universidade de Yale, também EUA, foi amigo e vizinho de porta de um muçulmano.
Na primeira metade da década de 60, a família Barroso mudou-se para Rio de Janeiro, capital do então estado da Guanabara, em função de aprovação de seu Roberto Bernardes em concurso público do MPE. Ainda assim, até a adolescência, o pequeno Luís esteve bastante presente na pequena cidade, onde passava os finais de semana, curtia a vida rural, andava a cavalo.
Em 1976, Luís Roberto Barroso ingressou nos cursos de Direito - da UERJ - e de Economia e Administração - da PUC/RJ - os quais cursou de forma paralela por dois anos, quando abandonou o segundo, em função das dificuldades com cálculos - naquela fase do curso, mais profundos e em quantidade maior.
O abandono da PUC/RJ coincide com seu intenso engajamento no Movimento Estudantil (ME) e no combate à ditadura, quando integrou a Esquerda Democrática, espécie de frente moderada composta por diversas correntes políticas, como o PCB. Fez parte da equipe do Andaime, jornal que circulava na Faculdade e que era rodado na histórica Tribuna da Imprensa, sempre de madrugada, depois da saída dos censores. Um dia os estudantes-editores foram pegos e chamados a depor. Na formatura, em 1980, algo que lhe doeu e marcou - a sua não escolha para orador, que ele atribui ao tom engajado de seu discurso.
Barroso foi estagiário no Escritório dos sócios Miguel Seabra Fagundes e Eduardo Seabra Fagundes, pai e filho. O primeiro, potiguar que se destacou no cenário jurídico e político nacional e que, no escritório, cumpria a função de parecerista, atividade que o jovem Luís Roberto adorava, o que gerou um convívio intenso com o velho Miguel, bem como uma afetuosa amizade. À Época, Eduardo, o filho, era presidente da OAB, quando por ocasião da explosão da carta-bomba na sede da Ordem - enviada por agentes linha-dura da Ditadura - que matou Dona Lyda Monteiro, funcionária. No enterro, os presentes - dentre os quais, Luís e seus colegas de UERJ - gritavam "vai acabar, vai acabar... a ditadura militar!"
A militância de Barroso no ME criou problemas para sua entrada no quadro docente da UERJ, o que lhe fez sofrer, pois a docência era seu projeto de vida. Conseguiu, depois de muita negociação, em 1982, sob a condição de não lecionar Direito Constitucional (DC), em função do viés político da disciplina, foi o que lhe disseram os que tentavam lhe ajudar. Só em 1986, com concurso para a cadeira, passou a lecionar DC. Também na primeira metade da década de 80, ingressou na PGE do Rio de Janeiro e integrou um movimento chamado Doutrina Brasileira da Efetividade, que pregava a força normativa dos princípios constitucionais, naquela ocasião, da CF de 1969 que, apesar de feita pelos militares, tinha, em seus princípios, componentes avançados, já que eram feitos, a exemplo das demais constituições, para não serem cumpridos.
Ao final da década de 80 - período em que ainda mantinha certo engajamento político - Barroso esteve, por ocasião de seu Mestrado, morando nos EUA, quando procurou estudar também sobre dívida externa, acreditando ser Brizola ou Lula, o próximo presidente do Brasil e, uma vez sendo, seus conhecimentos poderiam ser úteis. Collor venceu.
De volta ao Brasil - insatisfeito com os rendimentos de professor e de Procurador - passou, aos poucos, a advogar, montando, em 1990, seu escritório, herdando a estrutura formal de seu pai, que - ainda que pouco - advogava há 30 anos. É uma característica da PGE/RJ, a permissão para advogar.
Sua advocacia passou a ganhar visibilidade, ao final da década de 90, quando o STF passou a ter a maioria de sua composição nomeada no pós-CF88, tendo os ministros mais compromissos com a referida Carta. O STF passou a ter mais importância e o DC também. "Eu lido com Direito Constitucional desde o tempo em que ele não dava prestigio a ninguém", costuma dizer.
Este período é o inicio da consolidação das idéias nas quais Luís Roberto Barroso sempre militou, como a efetividade normativa dos princípios constitucionais, algo que, no passado, constava apenas no papel, sem força de lei. Como exemplos recentes, no caso brasileiro, o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas, a proibição do nepotismo e a permissão para pesquisas com células-tronco embrionárias - três causas que o constitucionalista advogou e obteve êxito. Nas três, o STF decidiu à luz de princípios constitucionais, ainda que haja ausência de leis a respeito. Por causa disso, o Supremo tem sido acusado de ativismo judicial, o que Barroso não vê como problema. Por causa de tais questões e de outras, ele avalia de forma positiva, os 23 anos da Constituição brasileira. Vê nela mais acertos do que erros.
O Constitucionalista afirma que só aceita causas que o deixem moralmente confortável. Foi assim quando atuou exitosamente contra a extradição do italiano Cesare Battisti. Lamenta, no entanto, que a ocupação italiana na mídia brasileira tenha impedido o povo brasileiro de conhecer a verdade sobre o caso. "Foi um jogo pesado. Um jogo com a marca de Silvio Berlusconi", afirma.
Luis Roberto Barroso é, há 29 anos, professor da UERJ, instituição em que se graduou, em 1980, e, doutorou-se, em 1990, e onde dar aulas na Faculdade de Direito - na Graduação, no Mestrado e no Doutorado. Na UnB, é professor-visitante, no Mestrado e Doutorado em Direito. Costuma passar férias em bibliotecas, em universidades do exterior, como pesquisador-visitante, informal. Em 2011, foi em Harvard, em processo, no entanto, formal. Tem sido professor-visitante nas universidades de Wroclaw, na Polônia, e de Poitiers, na França.
É autor de 13 livros. Ler todos os dias - de livros jurídicos a romances, passando por economia. Para advogados, recomenda Mafalda, personagem de tiras em quadrinhos. "Ela tem três características que eu acho importantes para um advogado: senso de humor, leveza e brevidade", diz. Algo que sempre lhe incomodou, no Direito, foi linguagem empolada - a seu ver, desnecessária. Parte de suas energias, ao longo de sua vida profissional, foi gasta na superação desta condição, o que lhe faz avaliar que compôs uma geração que derrotou tal palavreado ou, pelo menos, desmitificou a idéia de que praticá-lo é sinônimo de maior capacidade intelectual.
Barroso mantém um blog sobre "direito, música e poesia" e chegou a pensar em ser compositor, faltando-lhe, no entanto, talento ao violão, embora se considere razoável letrista. Ele vive entre o Rio de Janeiro e Brasília, para onde sua família - ele é casado e tem dois filhos jovens - se mudou e se encontra bem adaptada. Diz que a vida que tem foi a que escolheu e que, por isso, não opera para vir a ser ministro do STF, embora, se fosse convidado, entenderia como uma missão para com o país e, por isso, aceitaria, salvo em função de situação especialíssima em sua vida.
Luis Roberto Barroso defende um exame nacional de magistratura, como componente dos concursos para juízes, nos tribunais. Entende que o Direito Penal brasileiro está "desarrumado", advogando que, para melhorar, é preciso dar importância à Polícia e ao Sistema Penitenciário, de forma a equipará-los, em termos de status, ao Judiciário e ao MP. Acha que o CNJ foi uma grande idéia, mas que deve ter foco e não atuar no varejo. O Instituto de Direito de Estado e Ações Sociais (Ideias), que criou e preside, elaborou projeto de reforma política para o país e, atualmente, mantém um professor contratado para pensar a universidade brasileira, além de conceder bolsas de estudos. Acha justa a criação da Comissão da Verdade. Enfim, Barroso tem opinião e propostas sobre quase tudo, como ele costuma dizer.
Partes de uma parte destes posicionamentos se encontram nas páginas a seguir, nas quais o leitor poderá, de forma um pouco mais detalhada, conhecê-los, a partir de nossa entrevista. A edição foi feita de forma a manter o máximo de suas palavras. Foram 2h31 de conversa na qual o constitucionalista se manteve, todo tempo, à disposição, de forma educada e bem humorada.
JS - No Movimento Estudantil (ME), na UERJ, o Sr participou da "Esquerda Democrática". Era uma frente?
LRBarroso - A direita estava no poder, ou seja, no ME não tinha direita. Os liberais não estavam propriamente no poder, mas também não queriam muita conversa com a esquerda nem com a resistência à ditadura. De modo que o ME era feito de diversas nuances de esquerda: desde a mais extremada, que defendia luta armada - caso da Libelu - passando pelo Mep e chegando até o PCB e ao grupo que eu participava, que, no meio universitário, se chamava Construção.
JS - Então havia ramificações em outros segmentos...
LRBarroso - Sim. Reunia o Partidão, que era contra a luta armada, o PMDB autêntico.
JS - MDB...
LRBarroso - Isso, MDB autêntico, que tinha o Alencar Furtado, do PR; Ayrton Soares, de SP; Lysâneas Maciel, do RJ.
JS - Fernando Lira...
LRBarroso - Fernando Lira, de PE. E havia pessoas que eram menos ideológicas, mas eram contra a ditadura. Então, no fundo, o Movimento Estudantil era uma grande frente contra a ditadura. O que facilitava a vida, porque havia um adversário comum.
JS - Com a criação do PT, o retorno de Prestes, de Brizola, de Arraes, a unidade ficou difícil...
LRBarroso - O fim da ditadura criou muitas dificuldades para a unidade, tanto do ME quanto da esquerda em geral. Muitas lideranças voltaram com projetos próprios e que não eram convergentes. Isso contribuiu para a fragmentação. Mas, de certa forma, contribuiu também para um pluralismo que eu não acho, em si, negativo.
JS - O Sr fez parte, na época de estudante, da equipe do Andaime, jornal que era financiado através de vendas...
LRBarroso - A gente vendia e financiava a edição seguinte. Tínhamos ajuda da Tribuna e da imprensa.
JS - O Hélio Fernandes...
LRBarroso - Na verdade, era o Hélio Fernandes Filho, que morreu há poucos dias. Ele nos ajudava, por um preço de custo, quase subsidiado.
JS - Vocês nunca foram pegos?
LRBarroso - Fomos pegos uma vez. O pessoal da censura passava de madrugada. Quando eles saíam, nós entrávamos, pagávamos uma grana extra para os linotipistas. Em uma das vezes, os censores, por alguma razão, voltaram e a gente tava lá. Fomos levados, mas não houve violência, apenas depoimento.
JS - O Sr já era advogado quando explodiu a carta-bomba na OAB, em 27/08/1980, que matou D. Lyda Monteiro, 59, funcionária?
LRBarroso - Eu era estagiário do Eduardo Seabra Fagundes.
JS - Na presidência da OAB?
LRBarroso - Não. No escritório dele.
JS - E a experiência de ter vivido aquele ambiente da explosão da bomba...
LRBarroso - Eu soube do atentado à bomba e fui à OAB. Foi uma experiência horrível. Dona Lyda havia morrido, o corpo já não estava mais lá, mas tinha estilhaço por todo lado, cheiro de pólvora, uma confusão enorme. O Eduardo Seabra me pediu pra ir à Baixada Fluminense tentar localizar uma funcionária que poderia ter visto alguma coisa, que tinha voltado pra casa um pouco antes, poderia eventualmente saber como era a carta, ou quem a tinha entregue. Não lembro de detalhes, lembro que fui no meu Chevete até, acho, que Nova Iguaçu. Depois, na UERJ, nós organizamos um grupo muito grande e nos juntamos à manifestação que houve no dia do enterro da Dona Lyda, quando fomos do prédio da OAB ao cemitério São João Batista, andando e gritando a palavra de ordem: "vai acabar, vai acabar, a ditadura militar"
JS - Eduardo, filho do potiguar Miguel Seabra Fagundes...
LRBarroso - Exatamente! Havia dois sócios: O Dr Miguel Seabra Fagundes - jurista e parecerista - e o Eduardo Seabra Fagundes, advogado. Eu até trabalhava um pouco com o Eduardo, mas eu gostava mais da atividade de parecer mesmo, uma atividade intelectualmente mais estimulante que era feita pelo velho Miguel Seabra Fagundes, que foi governador do RN, desembargador do TJRN, Ministro da Justiça, era um homem muito agradável de lidar e escrevia primorosamente bem. Desde que o conheci, passei a prestar atenção em tudo que ele fazia e como ele fazia. E ele também gostava de mim, então muitas coisas que ele estava escrevendo ele compartilhava comigo. Não pra pedir a minha opinião, compartilhava pra eu ler e eu lia com prazer e proveito. Quando me formei ele prefaciou meu livro sobre Federação, que fiz para participar de um concurso. Aliás, o livro valia mais pelo prefácio do que por ele próprio. Usei Federação como pretexto para criticar o regime militar. Eu queria viajar, quando me formasse, e este concurso tinha um prêmio de 03 mil dólares. Tive sorte e ganhei, o que me fez passar 02 meses na Europa, até acabar o dinheiro (risos). Mas, voltando ao escritório, eu era engajado no ME e era bom aluno, aplicado. Eduardo Seabra [1979-1981] sucedeu o [Raymundo] Faoro [1977 - 1979] na presidência da OAB e, portanto, era um pouco continuador de um processo importante de resistência democrática, de vocalização dos anseios da sociedade civil. E então, quando eu quis estagiar, entre o terceiro e o quarto ano, o procurei, bati na porta. Não tive pistolão, não conhecia ninguém. Fui lá, levei currículo e pedi trabalho. E ele disse: "vamos fazer uma experiência". E eu fiquei lá quatro anos. Depois, trabalhei um tempo com o meu pai, quando o Eduardo Seabra foi ser o Procurador Geral do Estado, no governo Brizola. Em seguida, montei meu próprio escritório.
JS - O Sr escreveu um discurso engajado para sua formatura, em 1980, e acabou não sendo o escolhido, o que lhe foi traumático...
LRBarroso - Já passou! (risos)
JS - O Sr já disse que o discurso vencedor foi leve, poético. O Sr faria o mesmo discurso novamente? Considerando aquela conjuntura, claro...
LRBarroso - É difícil dizer. A gente não tem 21 anos duas vezes e o tempo, Rudson, adoça a gente. Eu me considero, ideologicamente, muito próximo ao que eu era quando eu era jovem. Continuo achando que os compromissos da elite intelectual, dos professores, de quem pensa construtivamente o país, deve ser prioritariamente o de assegurar igualdade de oportunidade para as pessoas no inicio da vida. Esta é a minha ideologia. As pessoas devem ter as mesmas oportunidades, quer dizer, meu filho e o filho do meu porteiro devem ter as mesmas chances de acesso à educação, por exemplo. No dia em que nós conquistarmos isso, eu acho que terei realizado os meus sonhos de juventude. Agora, dito isso, na forma, a gente adoça. Eu, hoje, certamente não sou uma pessoa dura e nem panfletária, como eu era naquela época. E a minha vida é mais confortável que era naquela época, mas eu continuo achando a mesma coisa: o papel do Estado e da sociedade é assegurar às pessoas igualdade e oportunidade no momento em que elas começam a vida. Portanto eu acho que ação afirmativa verdadeira envolve creche, pré-escola e ensino fundamental de qualidade. É com isso que eu acho que se faz um país.
JS - Sua participação no ME trouxe problemas ao seu ingresso na UERJ, como professor...
LRBarroso - Trouxe! Eu comecei a me interessar pela política, me aproximar do Movimento Estudantil em 1975 e entrei pra faculdade em 1976. Ainda era um período de censura, ainda era um período de muita intolerância, ainda havia um Departamento de Polícia Política e Social (DPPS) operante, organismos de segurança, gente infiltrada... mas já não havia mais prisões e torturas, o Geisel tinha atuado decisivamente para coibir esse tipo de prática, embora tenha sido no governo Geisel que toda a direção geral do Partido Comunista tenha sido morta. Mas violência, contra estudantes e trabalhadores, já havia arrefecido naquele momento. Mas ainda era uma época ruim, quer dizer, o pessoal era intimado pra depor no DPPS, havia fotografias, a faculdade era dirigida por pessoas que tinham compromissos com o regime militar; então a gente não podia convidar quem a gente queria, os centros acadêmicos eram proibidos. Quando recriamos o Centro Acadêmico Luiz Carpenter (Calc) - CA de Direito da UERJ - passamos a chamá-lo de CALC livre. "Livre" era a senha usada pelo Movimento Estudantil para dizer que não era pelego, não fazia parte do oficalismo. E a gente tinha uma relação tensa com as autoridades universitárias, por conta dessa militância. Quando comecei a dar aula, em 1981, tive problemas. A carreira acadêmica estava começando a se estruturar. O titular era concursado e podia escolher os professores auxiliares, até que, no futuro, viesse a haver concurso. Procurei meu professor de DC e disse: "olha, eu quero dar aula, eu tenho interesse e tal..." Ele fez uns testes e gostou de mim. Então eu comecei a dar aula de DC informalmente para esse professor, até que, um dia, ele me procurou e me disse: "olha Barroso, nós temos um problema, eu fui procurado, há um veto contra você dos organismos de segurança. Você participou muito desse negocio de Movimento Estudantil. Eu sou um magistrado, estou no meio da carreira e não tenho condições de confrontar essas pessoas, então nós vamos adiar nosso projeto". E aí eu disse, "claro". Mas eu fiquei devastado, muito triste. Porque ser professor era - e continua sendo pela vida afora - o meu projeto de vida. Mas eu participava de um grupo de estudos com um professor de Direito Internacional Privado, que tinha sido meu professor, era um grande professor e eu tinha ficado amigo dele. Era um homem conservador, muito tradicional, judeu ortodoxo, mas que gostava de mim, pois - mesmo a gente tendo afinidade políticas - tínhamos afinidades acadêmicas. Ele era um homem sério, estudioso, publicava, valoriza o mérito. E ele disse: "eu vou lhe ajudar". "O Sr não ta entendendo, é o SNI, não tem uma porta para bater", disse-lhe. Ele se chamava Jacob Dolinger, mais judeu impossível. Ele falou com o Oscar Dias Correia, que havia sido Diretor da Faculdade de Direito [de 1976 a 1980] e com o qual eu tinha tido vários embates. Era da velha UDN [havia sido Deputado Federal] de Minas, um homem de direita. Porem, uma das vantagens da vida de você tratar as pessoas com educação é que embora a gente tivesse tido muitas disputas, elas não eram movidas à insultos, eram divergências profundas e, naquela época, insuperáveis. Então quando o Jacob resolveu me ajudar, o Oscar, naquela ocasião, ainda não tinha se tornado ministro do STF, mas já era um concorrente, um prócer, digamos assim, daquele final de Regime Militar [ingressou no STF em abril/1982]. O Jacob o pediu ajuda e ele ficou surpreso, mas depois disse: "se o menino é bom, vamos ajudar". Passados alguns meses, o Jacob me procurou e disse: "consegui eliminar o veto, mas você não pode dar aula de DC, pois é muito próximo de política. Você tem que dar aula de Direito Internacional Privado". A expressão que eu disse na hora, não poderia repetir agora.... E o Jacob, corretamente, disse: "na vida a gente entra pela porta que abre" e me mandou um caixote de livros. Porém, eu precisei ainda de sorte. Na hora de ser contratado, o Diretor da Faculdade de Direito - ligado ao DPPS - disse que não me aceitava. E aí, por uma dessas circunstâncias da vida, o Reitor da UERJ faleceu e tomou posse o vice-reitor, amigo de Jacob e igualmente judeu. "Vamos contratá-lo pela Universidade e não pela Faculdade de Direito", disse o novo Reitor, ao Jacob. Ingressei na UERJ, como professor, em 1982, lecionando Direito Internacional Privado até 1986, quando faleceu Wilson Accioly, professor de DC. Foi aberto concurso para a disciplina e eu passei, iniciando o trabalho no ano seguinte. Sábado passado, fez 20 anos de formatura da minha primeira turma de DC, da qual fui paraninfo. Fui ao Rio só para comemorar com eles, participar da festa, que foi muito bonita.
JS - Quase todo ano, o Sr costuma freqüentar uma universidade estrangeira, como pesquisador visitante...
LRBarroso - Sim. Mas é informalmente. Normalmente eu peço a algum professor amigo "olha, eu quero passar um mês aí". E aí consigo um acesso à biblioteca e vou pra lá e escrevo, faço a minha própria agenda.
JS - Este ano, o Sr esteve em Harvard...
LRBarroso - No caso de Harvard, houve um processo formal. Eu fui pesquisador visitante lá, este semestre. Eu fui porque queria - durante seis meses - olhar o Brasil de longe e escrever um trabalho para publicar.
JS - Nestas estadas, o Sr chega a lecionar?
LRBarroso - As vezes dou palestras, mas não tenho uma turma, especificamente. Mas eu lecionei recentemente em [Universidade de] Poitiers, na França. Fui numa função docente, preparei aulas. Sou fluente em inglês, não em francês. Treinei com a professora de francês e dei as aulas. Foi um desafio. E também fui a Harvard, no mês passado, como professor, participar de um debate com um grande professor americano, Mark Tushnet, sobre uma questão que é importante no Brasil e há um interesse lá: Judicialização da Política.
JS - O Sr, por três vezes, morou fora do país...
LRBarroso - A primeira vez, eu tinha 15 anos, morei em Michigan [EUA], em função de um intercambio. Depois morei em Yale [EUA] em 1988 e um pedaço de 1989, onde fiz mestrado [Universidade de Yale]. E depois que eu terminei o mestrado, eu trabalhei uma temporada num escritório em Washington [EUA]. Por essa época, eu ainda era uma pessoa muito politizada, muito engajada no processo político e achava que o Brizola ou o Lula ia ganhar as eleições de 1989. Então metade do meu tempo em Yale, estudei Dívida Externa brasileira. A outra metade, DC. Fiz uma cadeira chamada International Baking, que era uma discussão sobre a dívida externa. Fiz outra cadeira chamada Internacional Business Transactions que era também para discutir balança comercial, as relações entre os países. Eu me preparava para voltar ao Brasil e ajudar a pensar a dívida externa brasileira, eu queria trabalhar nisso. Mas o Collor venceu e eu não tinha nenhum tipo de ligação ou afinidade com ele, de modo que esse meu estudo sobre dívida externa se perdeu.
JS - E sua trajetória como advogado?
LRBarroso - Começou muito discretamente. Eu não era um advogado de coração, eu era um professor, mas ganhava mal. Fui aprovado em concurso para Procurador do Estado do RJ, ainda no governo Brizola [1983 a 1987], ou seja, eu era um advogado do Estado. Isso já me bastava. Vivia a vida que eu tinha escolhido: eu era professor e tinha um cargo público, que era importante, me dava trabalho, mas não me impedia de ser um acadêmico. Fui para Yale em 1988, tirei uma licença em 89. Quando eu voltei para o Brasil, em 1990, as coisas não andaram tão bem. O Brizola foi eleito governador novamente [1991 a 1994] e, diferentemente do primeiro governo, o Brizola, depois de muitas restrições ao funcionalismo, impôs um teto muito rígido, de modo que somando o que eu ganhava como professor e como Procurador do Estado, dava pouco. Eu era recém-casado, e comecei a advogar um pouquinho...
JS - Mesmo como membro da PGE?
LRBarroso - É uma característica da PGE do Rio. Para recrutar advogados mais preparados e, talvez, menos burocráticos, eles permitem a advocacia. Eu acho que isso compromete um pouco o nível de dedicação - o que é ruim - mas permite que você recrute pessoas com o perfil muito mais operacional. Então tem sido uma conciliação possível no Rio...
JS - Foi o caso de seu pai?
LRBarroso - Sim, embora ele não advogasse muito, ele era verdadeiramente um membro do MP.
JS - No site do escritório consta que ele foi montado em 1990, herdando uma tradição de 30 anos de seu pai...
LRBarroso - Formalmente herdamos a estrutura e ele mesmo se tornou sócio do escritório, então a afirmação é legítima.
JS - Fale mais sobre sua trajetória como advogado...
LRBarroso - Aí comecei a fazer algumas causas privadas. Há uma lenda de que eu tenho uma advocacia muito grande. Mas eu tenho uma advocacia relativamente modesta. Tenho uma equipe maravilhosa que trabalha comigo há muitos anos e tenho uma advocacia de certa visibilidade, mas eu não tenho milhares de processos.
JS - Quando passa haver essa visibilidade?
LRBarroso - Quando o STF se tornou importante. E, como eu advogava no STF...
JS - O Sr gosta de dizer que se dedica ao DC, desde o tempo em que não dava prestigio para ninguém.
LRBarroso - Sim. Prestígio tinha os grandes advogados que advogavam nos TJs.
JS - Quando o STF passa a ter importância?
LRBarroso - O Supremo passa a ganhar importância uns 10 anos depois da CF-88. Porque o constituinte de 1988 - apesar de ter feito uma CF, em certo sentido, progressista - manteve a mesma composição do STF que vinha do tempo da ditadura. Então, na primeira década da nova CF, o Supremo era composto majoritariamente de pessoas respeitadas - algumas de grande conhecimento - mas cujo título de investidura era creditado ao Regime Militar e, portanto, eram pessoas que não tinham compromisso com a Carta de 1988. As principais lideranças do Supremo eram conservadoras, não gostavam da CF-88. Houve nomeações relevantes que começaram a mudar o jogo, eu incluiria entre elas, a do Ministro Sepúlveda Pertence [1989] e a do Ministro Celso de Melo [1989]. Mas eles ainda foram minoria um bom tempo. Depois vieram outras nomeações, mas o jogo vira mesmo depois de 2003, quando se forma uma maioria de juízes nomeados no pós-88, juízes que já tinham compromissos com o Direito Constitucional (DC) transformador e que já viviam um constitucionalismo democrático e normativo. De modo que, quando o DC se torna importante no Brasil, eu estava no habitat que eu havia escolhido para mim, desde antes dele ser importante e, de alguma forma, eu dediquei a minha vida a tentar torná-lo importante.
JS - O Sr já disse que o Direito tem uma tradição ruim que é a da linguagem empolada. Em artigo seu "a revolução da brevidade" há a defesa de um tamanho máximo para os votos e petições. Fale um pouco sobre estas questões...
LRBarroso - A linguagem jurídica - como qualquer linguagem técnica - tem uma terminologia que por vezes é inacessível ao cidadão comum, além de ser esteticamente muito feia. Temos expressões como: mútuo feneratício, eleição de cabecel, anticrese... Eu gosto de dizer que, como o Direito já tem lá seus problemas estéticos e lingüísticos, não é preciso piorá-los, de modo que eu acho que fiz parte de uma geração que procurou dar simplicidade e clareza à linguagem jurídica. Nos meus primeiros discursos aos meus alunos, eu sempre dizia: o importante é ser claro, simples e, tanto quanto possível, breve. Nossa geração enfrentou - e acho que derrotou - uma tradição quase caricata que considerava mais inteligente quem falava mais empolado, mais difícil. Inteligente era quem, ao invés de falar "autorização do cônjuge" falava "outorga uxória"; Ao invés de falar "STF", falava "Excelso Pretório". Acho que hoje ninguém considera mais inteligente quem fala difícil, empolado. Portanto, acho que fizemos uma revolução, ao simplificarmos a linguagem jurídica. Mas não fizemos uma revolução da brevidade. Somos prolixos. O meio jurídico é composto de pessoas que adoram ouvir a própria voz, os votos do Supremo levam horas. O tempo é a mercadoria mais escassa na vida moderna. As pessoas devem ser capazes de otimizá-lo. Claro que o livro de doutrina vai ser um livro analítico de muitas páginas, às vezes um voto escrito pode ter que ser analítico e ter muitas páginas. Porém, o voto oral, a sessão do Supremo, a petição do advogado - em sua parte essencial - devem ser breves. Uma pessoa tem que ser capaz de, ao dedicar 15 minutos, meia-hora a um assunto, ter uma visão do conjunto.
JS - Passados 23 anos, qual sua análise da CF-88?
LRBarroso - Eu acho que, como quase tudo na vida, é possível olhar a CF-1988, de pontos de observação diferentes. Do meu ponto de observação convencional, a CF-1988 simboliza um vertiginoso sucesso: ela assegurou a transição bem sucedida no Brasil, de um Estado autoritário e, muitas vezes violento, para um Estado democrático de direito. Portanto, ela simboliza em primeiro lugar uma transição bem sucedida. Em segundo lugar, a CF-88 propiciou ao país mais de duas décadas de estabilidade institucional, tendo convivido com crises das mais diversas: desde a destituição de um presidente da república até crises como a dos anões do orçamento, a do painel do Senado e crises que, certo ou errado, balançaram o Governo Lula. É claro que olhando para a CF com um olhar crítico, é possível apontar nela alguns defeitos. É prolixa, é mais analítica do que deveria ser, trata de muitas matérias que poderiam ser deixadas para o processo político majoritário e, em grande medida, é corporativista. Há um professor de Direito que diz que essa não é uma CF cidadã, mas sim, chapa branca, porque todas as corporações estão lá. Eu não concordo com a crítica porque acho que ela é radical demais, mas é verdade que a polícia está lá, os cartórios estão lá, os índios estão lá, os idosos estão lá, a infância o adolescente estão lá, os militares estão lá, os juízes também. . O sistema previdenciário está lá, o sistema tributário está lá, a organização de toda administração pública está lá. É uma Constituição atípica no cenário mundial, no sentido de que trata de coisas que, talvez, devessem ter ficado para o processo político majoritário. E qual foi a consequência disso? Mais de 60 emendas, o que compromete, em alguma medida, o papel da Constituição, que é ter uma vocação de permanência e assegurar os valores permanentes ou pelo menos duradouros, sobre os valores contingentes. Porém, dito isso, eu poderia acrescentar que o que a CF-88 de 1988 tem de materialmente constitucional - a organização dos poderes, direitos fundamentais e alguns fins públicos relevantes - permaneceu intocável. O núcleo essencial da CF é o mesmo dos últimos 23 anos. O que tem sido revirado é o que talvez nunca devesse ter entrado na CF.
JS - O Sr já disse que o DC brasileiro passou a sofrer influência do americano em detrimento do francês e, por causa disso, passou a ser visto menos como uma questão política e mais como uma questão jurídica. Foi positivo? Como ocorreu? Fale um pouco sobre...
LRBarroso - Foi extremamente positivo. E não foi um fenômeno puramente brasileiro. A Europa passou a tratar a Constituição como um documento jurídico, normativo. Um documento que servia de fundamento para advogados postularem perante o Poder Judiciário, direitos fundamentais e outras situações previstas nas Cartas. Só a França ficou, para trás, nesse constitucionalismo político, e agora está começando a mudar. Depois da 2ª Guerra Mundial, o mundo se convenceu de que um DC normativo protegido por um tribunal constitucional era uma boa forma de proteger a democracia contra aventuras autoritárias, como o Fascismo, na Itália e o Nazismo, na Alemanha. Um tribunal que protegesse os direitos fundamentais contra as maiorias políticas, de modo que eu diria, filosoficamente, essa foi a transformação. E politicamente, eu acho que não se pode deixar de reconhecer, houve, depois da 2ª Guerra Mundial, uma americanização da vida, para bem e para mal. E este modelo no qual a Constituição é protegida por um Poder Judiciário forte, era o modelo americano de constitucionalismo. De modo que a Europa começou a praticar um constitucionalismo que, em ampla medida, fora praticado nos EUA. Ou seja, a influência dos EUA sobre a economia, a cultura, também se projetou, em alguma medida, sobre o Direito. O mais interessante é que o mundo incorporou o modelo americano, os tribunais passaram a ser agentes de avanços sociais em muitas partes do mundo, no Brasil, inclusive, mas nos EUA, ao final do século 20, houve uma onda conservadora - a partir de Nixon, consolidada com Reagan - que esvaziou a Suprema Corte. Então, curiosamente, os EUA já não praticam verdadeiramente o modelo que eles exportaram para o mundo. Em 1986 publiquei um artigo - escrito no ano anterior - defendendo a efetividade da Constituição. Chamava-se "Por que não uma Constituição para valer?" e partia dessas idéias de uma Constituição normativa.
JS - O STF tem sido acusado de ativismo judicial, assumindo funções do Legislativo. O que o Sr acha?
LRBarroso - Eu faço uma distinção teórica entre judicialização e ativismo. A judicialização no Brasil é um fenômeno que ocorre de maneira muito visível e é produto de um arranjo institucional, na medida em que se tem uma CF excessivamente abrangente, como já falei anteriormente. Tudo que você pensar de relevante está na CF e, potencialmente, pelo menos, permitem uma ação judicial. O ativismo não é produto de um arranjo institucional, não é um fato. O ativismo é uma atitude, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição. Eu diria que o Brasil vive um momento de ampla judicialização, mas de moderado ativismo. No geral, o STF não é ativista, mas, em questões pontuais, tem sido. E é comum dizer-se que o ativismo é como colesterol: tem do bom e do ruim. O ativismo judicial do Supremo até aqui, a meu ver, tem sido do bom, tem produzido certo avanço social. Decisões ativistas importantes - como as proferidas em matéria de uniões homo-afetivas, de nepotismo, de fidelidade partidária - levam os princípios constitucionais a situações que não haviam sido expressamente tratadas, nem pelo constituinte nem pelo legislador. Em matéria penal o Supremo tem tido avanços, em matéria de proteção ao consumidor, proteção aos deficientes. Mesmo na questão polemica das cotas, o Supremo - apesar de não ter uma decisão - não suspendeu a legislação e, às vezes, não decidir é uma forma de decidir, é deixar com que a situação se consolide. Então eu acho que o STF, no geral, tem sido contido, mas quando tem sido ativista, tem sido para o bem.
JS - Há alguma relação deste ativismo com o ocorrido na Suprema Corte dos EUA, de 1953 a 1969, quando Earl Warren a presidiu?
LRBarroso - Não é fácil fazer um paralelo entre o STF brasileiro e a Suprema Corte americana, porque há muitas diferenças quanto à investidura. Lá, um mesmo o presidente fica no cargo até se aposentar, aqui há cada dois anos muda. O processo político americano foi diferente. No que diz respeito ao produto final "ativismo", talvez se possa fazer algum tipo de analogia, embora as grandes questões que mobilizaram Suprema Corte americana de 1954 a 1969 - a Corte Warren, avançando um pouquinho pela década de 70 - foram outras. Lá foram questões como, a questão racial, a proteção dos acusados em processo criminal, os direitos da mulher. Então não há uma identidade de questões, mas lá como aqui, houve uma expansão do poder judiciário, ocupando um espaço que tradicionalmente era do poder legislativo.
JS - Pode-se dizer, então, que o Direito brasileiro está sendo constitucionalizado?
LRBarroso - Certamente!
JS - É isso que se chama Neoconstitucionalismo?
LRBarroso - O Neoconstitucionalismo, ou novo DC, tem por característica essa expansão da Constituição, tem por característica o que por vezes se chama de filtragem constitucional, que é a leitura de todos os ramos do Direito, através Constituição, de modo que o Direito Civil, Administrativo, Penal, passam a ser interpretados de modo a realizar os grandes valores e princípios constitucionais, a começar pela dignidade da pessoa humana e passando pelos direitos fundamentais em geral.
JS - O Sr participou de um movimento nos anos 80 chamado "doutrina brasileira da efetividade"...
LRBarroso - Sim. Era um movimento em busca da normatividade da Constituição, fazer com que ela fosse tratada como documento jurídico e não como documento político. Era um movimento que se socorria filosoficamente, do Positivismo Jurídico, que foi a filosofia do Direito de boa parta do século 20 e que dizia "o Direito é norma". Portanto, só é Direito o que está na norma, mas toda norma é Direito. Usamos este argumento para enfrentar a ideia que prevalecia no Brasil de que a Constituição não era uma norma, mas uma mera convocação à atuação dos poderes políticos do legislador e do executivo. Era preciso derrotar a mentalidade que vigorava no Brasil, em que a classe dominante brasileira expiava as suas culpas pondo na Constituição todas as promessas que não pretendia cumprir, conforme ocorria desde a Constituição imperial, de 1824, que previa que todos eram iguais perante a lei, mas conviveu com os privilégios da nobreza, com o voto censitário e com o regime escravocrata. E se nós dermos um salto no tempo e chegarmos à Constituição de 1969, outorgada pelo ministros militares - três senhores absolutamente insuspeitos de exageros esquerdistas -vamos verificar que esta foi a constituição brasileira que continha o maior elenco de direitos sociais - jamais existentes em qualquer constituição do mundo. Sem medo do ridículo, ela previa, no longo elenco do artigo 165, colônias de férias e clinicas de repouso a todos os trabalhadores. Portanto, colocava-se na constituição o que não era pra ser cumprido e todo mundo achava que estava bem. Então o movimento da efetividade foi contra esta insinceridade normativa da constituição e de resgate da efetividade. Cobrávamos o cumprimento das normas progressistas da Constituição do Regime Militar. Vem a CF-88 e a idéia da efetividade passa por um processo de afirmação - e acho que se torna vitoriosa. Depois, ao longo da década de 90 - na medida em que a Constituição vai se tornando efetiva - a doutrina se torna um pouco mais sofisticada, porque se dá conta de que existem direitos fundamentais que entram em linha de tensão, entre si. A livre iniciativa entra em tensão com a proteção ao consumidor; O desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. E aí surgem formulações um pouco mais contemporâneas, que eu próprio agrupo sob uma denominação geral de "pós-positivismo", marco filosófico do neoconstitucionalismo, que se caracteriza também por uma cultura pós-positivista - reconhecendo a existência de valores, mas também que eles, às vezes, competem entre si - além, claro, de se caracterizar por uma cultura que levou ao centro do sistema, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.
JS - O Sr tem dito que o sistema decisório do STF - agregativo - funcionaria melhor no formato deliberativo. Explique...
LRBarroso - O processo decisório do Supremo é uma soma de votos individuais, cada um vota e depois se faz a soma. Não há, verdadeiramente, um debate, a construção conjunta de uma solução. Ao passo que no método deliberativo se põe uma questão na mesa e as pessoas debatem antes de votarem.
JS - Como ocorre nas casas legislativas...
LRBarroso - No processo político, de maneira geral...
JS - A transmissão ao vivo atrapalharia o método deliberativo, na medida em que pudesse vir a inibir os julgadores, no que se refere a exposição no debate, ao convencimento, a mudança de posição?
LRBarroso - A transmissão ao vivo e a cores para o Brasil é formidável. Mudou o patamar do STF, a compreensão que o povo tem do Judiciário, não consigo imaginar nada melhor. Porém, trás problemas. Em um debate reservado as pessoas podem ir e vir de uma maneira menos inibida. Mas o que se ganha - com a transmissão ao vivo - compensa o que se perde.
JS - E quanto ao acesso ao voto do relator?
LRBarroso - No Supremo, cada um chega com seu voto pronto, sem ter se comunicado com o outro. Eu - assim como o Ministro Marco Aurélio - acho bom que não haja essa comunicação, pois impede o acerto prévio do voto. Porém, eu acho que a tese jurídica que o relator vai sustentar deveria circular previamente, para os demais ministros chegarem preparados para concordar ou divergir. Do jeito que é hoje, os ministros são pegos de surpresa e têm que improvisar o voto - contra ou a favor - ou já terem tido o trabalho de levarem o voto pronto o que, às vezes, se houver coincidências em relação ao voto do relator, é trabalho a toa. Quando não levam o voto pronto - e não há coincidência nos posicionamentos - pedem, frequentemente, vista, porque não estão preparados para divergirem.
JS - O Sr concorda com Súmula Vinculante e com a Repercussão Geral?
LRBarroso - Concordo! Não por uma opção filosófica ou ideológica, mas por uma circunstância da vida, uma posição pragmática. Diante do grau de litigiosidade que há no Brasil, tem que haver mecanismos que racionalizem a prestação da jurisdição e diminuam o numero de processos que chegam aos tribunais superiores.
JS - Inclusive, o Sr tem trabalhos sobre o acesso ao STF...
LRBarroso - Tenho. A idéia que eu defendo - praticada no mundo inteiro - é que o direito de acesso à justiça e o dever do processo legal se realizem em dois graus de jurisdição. Ou seja, todo mundo deve ter direito a dois julgamentos, que cubram as questões de fato. Porém, à jurisdição extraordinária - STJ e STF - tem que haver mecanismos de filtragem. O tribunal que diz que tá julgando 100 mil, 120 mil processos, infelizmente não está.
JS - A ideia de limitar em 11 anos o mandato dos ministros do STF - conforme propõe o ex-Deputado Federal Flávio Dino (PCdoB/MA) - tem sua simpatia?
LRBarroso - O Flávio Dino tem minha simpatia. É um dos bons parlamentares que Brasil já teve. Quero bem a ele. Eu defendi durante muito tempo a idéia do mandato - como ocorre nas cortes constitucionais européias de maneira geral - e no debate à Constituição de 1988 sustentei esta tese. Perdemos. Prevaleceu o modelo americano da vitaliciedade, no qual o sujeito é nomeado fica, no caso brasileiro, até os 70 anos - Nos EUA nem isso, porque lá não há aposentadoria compulsória. Eu acho, Rudson, que pior do que não ter um modelo ideal, é ter um modelo que não se consolida nunca, porque está sempre mudando. Então, eu não mudaria mais. Pode ser problemático um ministro ficar 20, 25 anos, mas pode não ser. Às vezes um juiz que permanece mais tempo ajuda a produzir um equilíbrio, ajuda a impedir que um presidente leve, de arrastão, a composição do STF. E, do ponto de vista prático, o tempo médio de permanência dos ministros do Supremo é de 10, 12 anos. Esta questão foi um pouco um problema porque a composição inicial do STF [pós-88] era residual da ditadura. O problema não era o prazo de mandato daqueles ministros, o problema é que eles vinham de outra era e não tinham compromisso com a Constituição democrática. Hoje, os ministros que estão há mais tempo são Celso de Melo [1989] e Marco Aurélio [1990]. Eu acho bom que eles estejam lá e continuem lá. São bons ministros e dão equilíbrio. Enfim, eu não colocaria o tempo de permanência dos ministros no STF como um problema que a gente precise equacionar. E o mandato geraria um efeito colateral...
JS - Qual ?
LRBarroso - É que depois dos 11 anos o ministro faria o quê? Vai voltar para advocacia? Se for, eu acho ruim. O Supremo passaria a ser um estágio de passagem na carreira.
JS - Mas há uma tradição, mesmo hoje, de ex-ministros advogando?
LRBarroso - Uma coisa é sair aos 70 anos e advogar. Mas não acho bom, para as instituições. Eu acharia, talvez, razoável, um ex-ministro vindo a ser parecerista, consultor jurídico, mas, passados 3 anos, um ex-ministro voltar à tribuna como advogado no Tribunal em que ele foi ministro, não é uma idéia que eu gosto. Eu respeito quem opte por fazer isso, porque a lei permite. Não é uma crítica a quem faz. Mas eu não gostaria de ter uma advocacia repleta de ex ministros do STF se digladiando.
JS - E sua proposta de exame nacional para ingresso na magistratura?
LRBarroso - Um exame nacional, anterior ao concurso que cada tribunal conduziria, diminuiria um pouco o poder de algumas oligarquias judiciárias locais. Há estados em que tudo corre bem, mas há estados onde as coisas, nesses concursos, não se passam como deveriam.
JS - O Sr já disse que o Direito Penal brasileiro encontra-se desarrumado...
LRBarroso - O sistema punitivo - que envolve o direito penal, o processo penal e a lei de execuções - está desarrumado. O sistema punitivo começa na Polícia - com o inquérito policial - passa pelo Ministério Público - que propõe a ação penal - vai ao Judiciário - que conduz o processo penal - e termina no Sistema Penitenciário - onde as pessoas cumprirão penas. O MP teve um salto de qualidade com a CF-88 de 1988; O Poder Judiciário também viveu um momento de grande ascensão política e institucional; Mas a porta de entrada do sistema - que é a Polícia - e a porta de saída - que é o Sistema Penitenciário - estão muito ruins. Há uma percepção equivocada de que a Polícia é algo menor, menos importante e, com isso, o país tem uma polícia mal-equipada, mal-remunerada, mal-treinada, maltratada e que, conseqüentemente, oferece um produto extremamente deficiente e insatisfatório. Uma Polícia que é vizinha de porta da criminalidade e que vive - com todas as ressalvas às muitas pessoas honestas que existem - problemas graves, tanto de corrupção quanto de violência. . A Polícia brasileira apura menos de 10% dos homicídios, portanto o sistema punitivo vai mal porque o inquérito policial é muito ruim. É preciso dar status à polícia, é preciso uma política de estado que dê relevância à Polícia. Sob certos aspectos, a atividade policial é até mais complexa. No extremo oposto está o Sistema Penitenciário, lugar de pobres e negros. Geralmente - embora nem sempre - com certo traço de violência. É que os juízes e os tribunais procuram qualquer filigrana jurídica para não mandar para o Sistema, qualquer pessoa que não seja muito perigosa. Porque o Sistema é tão degradado e tão degradante que o juiz sabe - como eu sei e como você sabe - que ninguém sai do Sistema Penitenciário melhor do que entrou. Não serve nem como prevenção geral, nem como instrumento de ressocialização e nem tem um caráter retributivo, porque a pessoa é condenada à uma pena privativa de liberdade, entra no Sistema e sofre pena de violência sexual, sofre pena de falta de higiene, sofre pena de contrair doenças graves e contagiosas. Portanto, o Sistema penitenciário brasileiro é no geral um desastre. Eu disse no começo da nossa conversa que o Brasil poderá ser considerado um país verdadeiramente civilizado e plenamente democrático quando as pessoas tiverem as mesmas oportunidades no ponto inicial da vida. Bom, eu diria que um segundo critério para aferir o grau de civilidade de um povo é o seu Sistema Penitenciário. Onde ele é embrutecido, se está lidando com um país subdesenvolvido.
JS - O CNJ foi uma iniciativa positiva? O Sr gosta da idéia de controle externo?
LRBarroso - Extremamente positiva. Não sei se é um controle externo, mas acho que foi um controle possível nas circunstâncias políticas em que foi instituído. E acho que ele tem servido bem ao país, embora precise saber separar o varejo da vida do que é verdadeiramente importante. Acho para CNJ o mesmo que acho para o STF: tem que saber escolher o que realmente envolve grandes questões em relação aos quais é preciso passar a mensagem certa ao país.
JS - O Sr acha que o CNJ deve ter autonomia para abrir processos contra juízes?
LRBarroso - Por exceção, sim. Por regra, não. Acho que o CNJ deve determinar às corregedorias que cumpram o seu papel adequadamente em prazos que talvez o próprio CNJ possa fixar. Acho que o CNJ não deve fazer o varejo da fiscalização da magistratura. Deve fiscalizar apenas em situações excepcionais.
JS - O Sr acha interessante o controle externo em outros segmentos da vida?
LRBarroso - Ninguém que exerça um poder político - e a magistratura exerce um poder político - deve estar livre de controles externos. O único "poder" que talvez possa estar fora de controles formais seja a imprensa. Porque a imprensa sofre o controle de quem liga televisão ou de quem compra o jornal.
JS - O Sr já disse que no caso Cesare Battisti o STF não fez interpretação jurídica, mas sim exercício de poder. Explique...
LRBarroso - É importante dizer que eu fui advogado neste caso. As questões que eu respondi até agora foram como professor, que lidou com as questões com um distanciamento. É importante dizer também que, nessa altura da vida, eu não aceito causas que me tragam desconforto jurídico e moral. O advogado não fala por si, mas pelo cliente. O advogado é o profissional que, dentre teses jurídicas alternativas, sustenta aquela que atende melhor ao interesse do seu cliente, nos limites da lei e da ética. É esse o papel social do advogado. Eu sou um advogado que não se apaixona por causas. E acho que o juiz que se apaixona por uma causa faz mal à justiça e mal ao amor. O Direito é, sobretudo, um exercício de racionalidade, um exercício de razão. Pode-se temperar um pouco - com emoção e bons sentimentos - a razão. Mas a emoção não pode ser senhora. No Direito a razão é que deve prevalecer como regra geral. Eu, no geral, não aceito questões que não correspondam exatamente ao meu entendimento, a tese jurídica que eu ache correta. E, por esta razão, eu faço, previamente, uma avaliação crítica, antes de aceitar uma causa. No caso do Cesare Battisti, eu estudei o processo antes de aceitar a causa e só a aceitei depois que eu achei que ela era moral e juridicamente boa. Eu tive um conjunto de razões jurídicas pelas quais eu achava que ele não devia ser extraditado. O Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio, pois considerou que havia dúvidas razoáveis sobre a existência de devido processo legal no segundo julgamento a que Cesare Battisti foi submetido na Itália e condenado à prisão perpétua. As dúvidas do Ministro eram totalmente fundadas. Mas ele podia não ter dado o refúgio. Eu considero que, claramente, a decisão de refúgio é uma decisão política. E acho, com o respeito devido e merecido, que o STF errou quando disse que o ato de refúgio é um ato vinculado e passível de revisão - pelo Supremo - no seu mérito. O STF exerceu um poder. Ele sobrepôs a sua valoração política à valoração feita pelo Ministro da Justiça, com a chancela do Presidente da República. E decisão política no Estado democrático toma quem tem voto. O Supremo deve proteger as regras do jogo democrático e os direitos fundamentais. Sou totalmente convencido de que o Cesare não participou de nenhum daqueles quatro homicídios. Mas, ainda que tivesse participado, eram crimes políticos. Porém, a qualificação de um crime como político ou não pode envolver diferentes pontos de observação. Mas a qualificação do refúgio como um ato vinculado é um erro jurídico - com todo respeito. Então, quando o Supremo anulou o refúgio, praticou um ato de poder e não um ato de direito.
JS - O Sr acha que a mídia impediu a maioria das pessoas de conhecer a verdade sobre o caso Battisti?
LRBarroso - Quando eu entrei na causa - depois que o Ministro Tarso Genro concedeu o refúgio - já havia uma opinião pública formada: Dois ministros do STF, claramente, tinham tomado posição contrária ao Cesare; A Itália tinha feito uma operação de ocupação da mídia, cuja legitimidade eu não questiono; Contratou um advogado, um ex-ministro do STF, além de um outro ex-ministro daquela corte ter, voluntariamente, ajudado a divulgar seus pontos de vista; Um embaixador circulou pelo Supremo e pelas redações; A Itália é um anunciante importante, bem como as múltiplas companhias italianas que operam no Brasil; Silvio Berlusconi transformara o Cesare Battisti em um símbolo do "acerto de contas" com os "anos de chumbo". Portanto, houve uma conspiração de fatores que criaram uma versão para a história, criaram um personagem. O Cesare era uma figura menor, de um movimento político menor. É patético - para não dizer ridículo - que tenham conseguido transformá-lo nesse símbolo. Ele não era uma liderança - militar ou intelectual - da esquerda. Ele não teve nenhuma influência decisiva em nenhuma questão ocorrida na Itália naquele momento. Cesare Battisti foi julgado pela segunda vez e as principais testemunhas de acusação eram os já condenados no primeiro julgamento. Pietro Mutti - delator premiado que mudou a versão inúmeras vezes - colocou a culpa dos quatro homicídios no Cesare, e este foi levado ao segundo julgamento, quando se deram conta de que dois dos homicídios tinham acontecido em lugares diferentes.
JS - No mesmo dia e horário...
LRBarroso - Sim. Aí parte da imprensa, muito solícita pra atender a Itália, escreveu: "ele pegou um trem e conseguiu chegar". Um artificialismo imenso. Pacificou-se a versão da impossibilidade. Tudo a posteriori, quer dizer, a versão vai sendo adaptada a posteriori. Então falaram: "é que em um ele participou do planejamento e no outro, da execução". E aí a pergunta intuitiva: "e pela execução que ele participou do planejamento, quem está condenado?" Ninguém.
JS - Quando ele fugiu da cadeia, a acusação não era de assassinato...
LRBarroso - Não, não era. Ele era um militante da esquerda.
JS - Tanto que ele não estava em um presídio de segurança máxima...
LRBarroso - Estava em um presídio para presos de baixa periculosidade. Eu li o processo e me convenci de que ele foi eleito um bode expiatório. Ele estava em segurança na França - em função do Mitterrand não conceder extradição - e era simples colocar a culpa nele. Ele foi defendido por advogados indicados pelos delatores premiados, quer dizer, o conflito de interesses era evidente. O sujeito disse: "eu não pude defendê-lo porque não estive com ele, não conheci os fatos...". O advogado meramente cumpriu tabela. Não tem nenhuma testemunha, não tem uma arma apreendida, uma perícia. Só delação premiada. Mas eu gostaria de dizer que, do modo como eu penso a vida, ainda que eu achasse que ele tinha participado - eu sou contemporâneo do conflito ideológico da década de 70 e tal como eu penso o que é justo e o que é injusto - punir os derrotados historicamente, 30 anos depois, não é uma forma de fazer justiça, é uma vingança histórica.
JS - Outros países negaram extradições à Itália, inclusive o próprio Brasil, anos atrás, e não houve estardalhaço...
LRBarroso - Três casos de extradição de ex-militantes das Brigadas Vermelhas - que eram um movimento mais importante que o PAC - pessoas igualmente acusadas de homicídio e o STF negou a extradição. Detalhe: Nos três outros casos, a Itália, como é praxe, requereu a extradição, ponto. No caso do Cesare Battisti, eles requereram a extradição, constituíram um advogado - o que é raríssimo um Estado requerente fazer - e moveram mundos e fundos para conseguir. Eu conversei pessoalmente com o representante do Comitê de Refugiados da ONU, que vivia no Brasil, fui pedir ajuda a ele, já que era o papel dele. Esse homem, que mandava documentos ao Supremo em favor do Cesare, foi aterrorizado pela Itália, que conseguiu fazer com que ele fosse removido do Brasil. Não foi um jogo leve, foi um jogo pesado, um jogo com a marca do Silvio Berlusconi.
JS - O quê o Sr acha da Comissão da Verdade?
LRBarroso - Acho que as pessoas têm o direito de saber o que aconteceu. É um direito subjetivo das pessoas e um direito do país o de conhecer sua história, com transparência, de maneira cristalina, de modo que eu sou a favor.
JS - O Sr defendeu - com êxito - a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biosegurança, que permite, em determinadas situações, o uso, em pesquisas, de células-tronco embrionárias. Fale um pouco da causa...
LRBarroso - A lei permitia que embriões congelados, há mais de três anos - excedentes dos processos de fertilização in vitro - pudessem ser destinados à pesquisa científica, se autorizado pelos genitores - os doadores do material genético. Uma lei humanitária questionada no STF pelo Procurador Geral da República sob o argumento de que o embrião congelado era produto de fecundação e, em sua concepção, desde o momento da fecundação já existe vida, devendo assim um embrião congelado ser tratado como uma vida, não podendo ser destinado à pesquisa. Esses embriões, no entanto, jamais seriam implantados em um útero materno, pois eram sobras de processos de fertilização nos quais os pais já tinham tido os filhos que desejavam. Como não há regulamentação, iam ficar lá parados até a consumação dos tempos. Essas pesquisas são a mais promissora fronteira da medicina, porque as células-tronco são as chamas iniciais da formação da pessoa humana. Nessas células está o material genético de todos os tecidos e órgãos do corpo, de modo que há a crença - ainda não confirmada - de que se possam reproduzir células nervosas, pulmonares, de diferentes órgãos, podendo-se salvar vidas e curar doenças como diabetes, mal de Parkinson, distrofia muscular.Sustentamos, em nome dos cientistas e dos deficientes - que foram os que me constituíram para a causa - que a pergunta do PGR - quando começa a vida? - era errada. O início da vida não comporta uma resposta jurídica, é uma questão de fé, filosófica de cada um. A pergunta certa era: o que se deve fazer com embriões congelados que não vão ser implantados em úteros maternos? É melhor descartá-los ou destiná-los às pesquisas para a salvação de vidas? Ganhamos no STF, de forma apertada, 06 a 05. É que no Brasil - embora um Estado Laico - a Igreja Católica tem muito poder. Tenho todo respeito pelo direito da Igreja Católica manifestar o seu ponto de vista e desejar que os seus fiéis sigam-no. É legitimo, faz parte da vida. Mas em um Estado Laico, o Judiciário deve interpretar na pela razão pública e não pela religiosa.
JS - Outra causa que o Sr obteve êxito foi no reconhecimento de uniões estáveis nas relações homoafetivas, na qual foi seguida a linha do Direito Constitucionalizado, que já falamos...
LRBarroso - Embora não existisse, na legislação ordinária, nenhuma previsão de união estável entre pessoas do mesmo sexo, a solução deveria ser tratar as uniões de pessoas do mesmo sexo como as uniões estáveis em geral, pela simples aplicação do princípio da igualdade - que proíbe a distinção em razão de orientação sexual - e pelo princípio da liberdade - tudo que não é proibido pela lei, faz parte da autonomia da vontade do indivíduo. E mais, Rudson, as pessoas devem ter o direto de casar. Se nós achamos que o casamento é uma instituição positiva, que reforça laços, diminui a promiscuidade, favorece a vida social - eu sou casado, a maior parte das pessoas adultas é casada - por que se deveria excluir desta instituição - por causa de orientação sexual - determinado grupo de pessoas? Portanto, ali o que se pedia era a ideia de igualdade, de liberdade e de dignidade da CF integrassem à lacuna do ordenamento jurídico, equiparando situações que eram próximas.
JS - A ADPF 54, que ainda não foi julgada, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, pede a possibilidade de interrupção de gravidez em casos de anencefalia. Mais uma causa em que Sr está à frente e que argumenta à luz de um principio constitucional...
LRBarroso - Pedimos que - à luz do principio constitucional do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana - a norma do Código Penal que considera o aborto crime não incida nestes casos, porque não há potencialidade de vida para o feto e porque causaria um imenso e inútil sofrimento à mulher e todo sofrimento inútil e evitável viola a dignidade da pessoa humana. Neste caso não é aborto e, ainda que o seja, não deve ser punível. A CF está acima do Código Penal.
JS - A ADC movida pela AMB, pedindo o fim do nepotismo, também foi à luz de principio constitucional...
LRBarroso - A AMB, na gestão do Rodrigo Colaço [2005 - 2007], em um movimento de grande alcance institucional, optou - em lugar de tomar a posição coorporativa - por enfrentar o nepotismo no Judiciário. Quando o CNJ editou uma resolução vedando o nepotismo, os TJs, sobretudo, em sua maioria, ignoraram, sob o argumento que não havia lei e, restrição de direito, só com lei. A AMB me procurou, querendo defender a resolução. Estudamos o caso e optamos por uma ADC, que eu tive dúvida de propor, porque é "patinho feio" das ações. Criada pela emenda constitucional nº 3, de1993, basicamente por um interesse da Fazenda Pública, era vista com reserva pelo STF em geral, sobretudo pelos ministros nomeados pós-regime militar. Porém, era a única solução para levar essa matéria ao Supremo e só o Supremo pode produzir uma decisão nacionalmente vinculante. Propusemos a Ação para dizer que a resolução do CNJ não violava o princípio da reserva legal - que exige lei para impor uma restrição de direito - porque, estava meramente dando cumprimento a dois princípios constitucionais: o da moralidade e o da impessoalidade. Não era uma inovação na ordem jurídica, mas a especificação de uma regra que decorrente de um principio constitucional. Era uma tese nunca testada no Supremo - a de que se pode extrair de um princípio, uma regra concreta que substitua a necessidade de uma lei. O Supremo endossou por uma maioria muito significativa essa...
JS - E foi exportado para os outros poderes...
LRBarroso - Essa decisão teve como relator o Ministro Carlos Ayres Brito. Em seguida, O Ministro [Ricardo] Lewandowski - que tinha dois recursos extraordinários em casos envolvendo os outros dois poderes - levou-os a julgamento no dia seguinte e pediu que fosse anunciado uma súmula vinculante o que foi aprovado e, efetivamente, o nepotismo foi proibido nos três poderes. Foi uma grande conquista via Judiciário.
JS - O Sr criou e preside o Instituto Ideias, que edita a Revista de Direito de Estado (RDE) e concede bolsas de estudo...
LRBarroso - Reuní um grupo de ex-alunos no Instituto, que é financiado pelo Escritório. É uma espécie de ação social. Concedemos bolsas de estudo, editamos a RDE - em parte financiada por nós - e elaboramos projetos para o Brasil. Fizemos um projeto de reforma política, uma proposta puro-sangue, ninguém encomendou. Agora estamos financiando um estudo sobre a universidade.
JS - A reforma universitária...
LRBarroso - Eu não gosto da expressão "reforma universitária" porque em toda parte do mundo, Rudson, toda as modificações muito profundas e sensíveis na universidade geram um tal nível de reação que a energia que para fazer a reforma é toda consumida na disputa política. Eu não gostaria de confrontar a universidade que esta aí - embora ela possa ser melhorada. Eu gostaria de pensar um modelo alternativo de universidade, no qual ela fosse pública nos seus propósitos, mas não necessariamente financiada com o dinheiro público. O país é pobre ainda e precisa investir em ensino fundamental, na universalização do ensino médio. Temos que pensar uma universidade que seja capaz de andar com as próprias pernas e deixar a maior parte do dinheiro para quem precisa mais. Contratamos um professor brasileiro - também professor da Kennedy School, em Harvard - para pesquisar um modelo alternativo. Não há nenhum país do mundo que tenha saído do subdesenvolvimento, verdadeiramente, sem uma grande universidade.
JS - E a reforma política?
LRBarroso - A reforma política está emperrada, então eu - ao fazer a conferência de encerramento da Conferência Nacional da OAB - fiz 10 propostas para o Brasil. E uma delas, para sair do impasse, é a realização de um plebiscito sobre a reforma política, na verdade uma consulta popular, em que eu sugiro que o povo brasileiro seja convocado a responder a três perguntas: A primeira: se ele deseja o sistema proporcional, como é hoje; se deseja um sistema majoritário - distritão - como propõem alguns; ou se deseja um sistema distrital misto, como o que consta em minha proposta; A Segunda pergunta: se deseja uma lista fechada ou pré-ordenada; ou se deseja uma lista aberta ou não ordenada. E a terceira pergunta: é se as pessoas desejam financiamento estritamente privado como é hoje; exclusivamente público; ou um misto, público admitindo pessoas físicas contribuírem até um determinado teto. Eu acho que a ideia do plebiscito tira a reforma política do limbo. Se o povo brasileiro ratificar o modelo que existe, paciência. Ele vai subsistir com mais legitimidade.
JS - O Se não acha que o debate sobre reforma política se prende apenas na questão eleitoral, deixando de lado coisas importantes, como mecanismos de participação direta da população?
LRBarroso - Quanto aos mecanismos de participação direta - embora eu esteja propondo uma consulta popular - eu preciso confessar a você que eu sou relativamente cético da participação popular via plebiscito ou via referendo. Eu gosto mais da participação popular via movimento social, via debate público, via redes sociais, via imprensa. Os plebiscitos são altamente manipuláveis, como fez Napoleão na França, Hitler na Alemanha - e para quem concorda - o Chávez na Venezuela. Plebiscitos permitem uma manipulação popular e no Brasil nós assistimos isso no plebiscito do desarmamento que, por falta de sorte, coincidiu com um raro momento de desprestígio do governo Lula, pois foi próximo do mensalão, o que afetou o resultado. Eu não sou contra os plebiscitos, mas sou cético porque eles sofrem influências que não são as da pura racionalidade. O presidente Lula conseguiu um fenômeno que foi pulverizar um pouco os formadores de opinião no Brasil. Porque ele foi beneficiário do crescimento da internet, dos blogs. O Brasil é um país que tem meia dúzia de formadores de opinião e quase todos atuam sobre a classe média, sobretudo: Globo, Folha, Estadão, Veja e outros. Com raras exceções, os formadores de opinião estiveram contra o Lula. Críticas duras, severas. Não obstante a isso, o presidente deixou o poder com uma popularidade de 80%. Numa democracia, isso é um fenômeno. É fácil em ditaduras: Getúlio tinha grande apoio popular; o Médici, em um determinando momento, teve grande apoio popular. Há um fenômeno novo no Brasil que é uma opinião pública formada pelos movimentos sociais, pelos Sindicatos, pelos blogs, pelas redes sociais. É um fenômeno novo e muito diferenciado no qual a opinião pública já não tem mais um pequeno condomínio de donos. Não sei se esse fenômeno se repetirá com outra pessoa que não tenha as características do presidente Lula. Eu acredito, mais do que em consultas diretas, na democracia deliberativa feita do debate público amplo do qual participem não apenas os grandes formadores de opinião tradicionais, mas o movimento social e esta opinião atomizada da internet e das redes sociais.
JS - Lula e FHC?
LRBarroso - O FH e o Lula são co-protagonistas de um país novo que eu assisti na minha idade adulta. O FH ajudou a arrumar a casa e o Lula potencializou o que herdou de bom e fez outras muitas coisas novas.
JS - O Sr é autor de 13 livros. Em geral, são referências no ensino de DC. O Sr citaria algum em especial?
LRBarroso - Um está esgotado e vou precisar de um tempo para reescrever, chama-se "O DC e a Efetividade de suas Normas" que foi um livro importante da Doutrina Brasileira da Efetividade. Outro foi a minha tese de titularidade, que se chama "Interpretação e Aplicação da Constituição". Depois escrevi "O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro", que é o que mais vende. Nele, eu discuto o funcionamento do STF e as ações que são levadas ao Ele. Tem também "Curso de Direito Constitucional", no qual tento agregar ao debate contemporâneo questões como democracia, neoconstitucionalismo. O título original era "Transformações do Direito Constitucional Contemporâneo," mas, por razões comerciais, a editora publicou como "Curso". Estou escrevendo o 2º volume. Tenho ainda uma coleção de quatro livros chamados "Temas de Direito Constitucional". Neles, eu agrupo artigos, pareceres, às vezes artigos de jornais, às vezes discursos de formatura, coisas que eu fui escrevendo ao longo do período. Ou seja, a cada 4, 5 anos, eu reúno os meus escritos esparços e publico um "Temas".
JS - O Sr pensa em ser ministro do STF?
LRBarroso - Eu vivo a vida que escolhi e sou muito feliz e realizado nela. No Brasil há certa percepção geral de que não há vida fora do poder. Eu vivi a minha vida toda fora do poder e não sinto nenhuma falta, portanto eu não tenho um projeto pessoal - e nem articulação - de ir para o STF. Mas quando eventualmente falam no meu nome eu fico lisonjeado e não trato com desimportâcia e nem com indiferença.
JS - Mas aceitaria?
LRBarroso - Depende do momento da vida, mas se algum presidente me convidasse - salvo se for num momento em que haja alguma situação especialíssima na minha vida - eu não recusaria. É uma missão para servir ao país. Já tendo satisfeito muitas das minhas necessidades materiais, eu já dedico uma parte razoável do meu tempo a pensar o Brasil: de fazer uma proposta de reforma política, de pensar uma reforma para a universidade, de fazer 10 propostas para o Brasil. Então eu não recusaria, mas eu não tenho certeza se lá é o meu lugar.
JS - Possui quatro bibliotecas - no Rio de janeiro e em Brasília - e costuma passar férias em bibliotecas, no exterior. O Sr ler todos os dias?
LRBarroso - Quais são seus horários de leitura e quais estilos literários costuma ler? Minha vida é dividida em uma parte acadêmica, uma parte como advogado. Eu estudo ou escrevo nas manhãs das segundas, terças e quartas. Nas manhãs de quintas e sextas, eu dou aulas. Depois do almoço viro advogado. Eu geralmente leio a noite, todos os dias, mas sem compromissos jurídicos, posso ler desde um Best-seller até um livro sobre economia. Estou lendo um livro chamado Justice - que acaba até de sair no Brasil - de um professor chamado Michael Sandel, sobre filosofia em geral. O tenho lido nos vôos -viajo muito de avião - então essa é minha leitura de vôo, quando não estou trabalhando em algum parecer. De noite, para dormir, eu leio os Best-sellers mais leves, sem muita culpa. Procuro ler, na medida do possível, alguma coisa de literatura em língua inglesa ou francesa, é quando eu pratico. Estou acabando de ler um Best-seller chamado The Litigators de um autor americano que vende muito e escreve sobre tribunais, chamado John Grisham. Não chega a ser literatura, é entretenimento, mas o sujeito escreve muito bem. Estou lendo um livro sobre noções básicas de economia, que traz algumas coisas que eu quero entender melhor; e estou lendo um livro de uma cientista política brasileira - que está agora na Alemanha - sobre judicialização da política, representação, para participar de um debate com ela mesma na semana que vem no Rio.
JS - Por que o Sr recomenda Mafalda aos advogados?
LRBarroso - Ela tem três características que eu acho importantes para um advogado: senso de humor, leveza e brevidade.
JS - E ela argumenta bem...
LRBarroso - Sim, ela tem uma grande capacidade de argumentação. E eu gosto - mas isso é um problema meu - do ponto de observação político dela.
JS - O Sr tem um blog que aborda além de questões jurídicas, músicas e poesias..
LRBarroso - Chama-se "Direito, música e poesia". Lá eu tenho peças jurídicas, artigos e uma seleção de músicas e de poesias, e tenho um blog no qual eu imaginava fazer muitos comentários, mas não consigo. Por falta de tempo e por ser uma pessoa relativamente reservada - eu não faço parte dessa onda contemporânea de auto-exposição. Eu tenho idéias sobre quase tudo que você me perguntar: de aborto a transposição do Rio São Francisco. Mas a minha agenda é construtiva, eu não gosto de fulanizar, de criticar pessoas, de fazer críticas morais. Então eu não sirvo para ser blogueiro, porque este tem que ter uma disposição crítica muito grande. Não que eu ache errado quem faz. Gosto de compartilhar um julgamento, um artigo. Tirando os livros, por causa de contratos com as editoras - dou acesso a tudo o que eu escrevo. O conhecimento acadêmico é para ser disseminado. O sujeito que sabe alguma coisa e guarda para si, não está cumprindo sua missão social. Porém, acho um direito só publicar em revistas que vão ser vendidas. Tento responder e-mails. Nem sempre consigo. Termino o dia com uns 100 e-mails, fora os que li. Fico triste por não responder todos. Sempre que eu acho que tenho alguma coisa interessante eu coloco no blog e faço comentários esparços, às vezes defendo alguns amigos, quando acho que alguém é vítima de injustiça.
JS - O Sr defendeu o Sepulveda Pertence...
LRBarroso - O Pertence eu defendi. O Pedro Abramovay, quando saiu do MJ, o defendi, porque eu gosto dele, é um cara bacana. O Carlos Ayres Brito, quando aconteceu o episódio do ex-genro. O Carlos é um sujeito decentíssimo, um absurdo qualquer especulação negativa sobre ele.
JS - O Sr pensou em seguir outra carreira?
LRBarroso - Compositor. Cheguei até a tirar segundo lugar em um festival da canção do interior, nada de grande. Eu gostava muito de poesia e eu era um letrista razoável, mas eu não era um bom músico, eu não tocava bem violão. Na época que eu treinava, até que eu tocava mais ou menos, mas eu não tinha um bom ouvido, o que dificulta. Então eu dependia de parceiros e isso limita muito.
JS - O flamenguista Luis Roberto Barroso frequenta estádios?
LRBarroso - Hoje em dia eu não sou um freqüentador de estádio - dentre outras razões, mas não só essa - porque eu passo a maior parte dos meus fins de semana em Brasília, pois minha mulher e os meus filhos agora estão aqui. E se eu freqüentasse seria no Rio de Janeiro. Não sei se é por preguiça ou certa dificuldade em lidar com aglomerações: Eu assisto cinema em casa e jogo de futebol também. Eu assino os jogos do campeonato brasileiro e assisto aos jogos do Flamengo, com os meus filhos. Ainda ontem assisti o Flamengo empatar com o Vasco. Há muitos anos eu não freqüento estádios, mas estou informado sobre esportes, em geral.
Edição: Rudson Pinheiro Soares
Transcrição: Sylara Silvério
Fotos: Vinicius Mansur
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Brasil Constitucionalizado
A pauta - que de tão ampla, não era exatamente uma pauta, mas algo melhor - não foi proposta à toa. Luis Roberto Barroso gosta de pensar e de falar sobre o país. Acredita no Brasil.
Rudson Pinheiro Soares - jornalista
O advogado constitucionalista Luis Roberto Barroso, do Rio de Janeiro, contratado pelo Sisjern (ver pág. 5), esteve em Natal no dia 16/11, onde proferiu palestra no 10º Encontro Nacional dos Defensores Públicos. Momentos antes de sua participação no evento, ele recebeu - No Hotel Pestana, onde se encontrava hospedado - Bernardo Fonseca e Alexandre Negão, dirigentes do Sisjern, e Daniel Pessoa, advogado da entidade - acompanhados por mim, que cobria o papo. Terminada a reunião, Fonseca comunicou-lhe de nossa intenção de realizarmos uma entrevista com ele que, alegando pouco tempo ali, sugeriu a manhã seguinte, no caminho para o Aeroporto. Falei que o tempo era insuficiente e que eu precisaria me preparar. "Mas quanto tempo será?", perguntou-me. "Umas 2h", respondi. "Nossa, mas é para falar sobre o que tanto?" Indagou-me mais uma vez. "Sobre o Brasil", disse-lhe. Sorriso aberto, logo sua mão foi ao bolso, de onde tirou uma pequena agenda que, ao lê-la, perguntou-me: "Dia 05, às 15, em Brasília?" "Ok!", confirmei. A pauta - que de tão ampla, não era exatamente uma pauta, mas algo melhor - não foi proposta à toa. Luis Roberto Barroso gosta de pensar e de falar sobre o país. Acredita no Brasil.
No dia marcado, mas com meia-hora de antecedência, eu e Vinicius Mansur - repórter fotográfico capixaba radicado na capital federal - chegamos ao local da entrevista, o Escritório de Advocacia Luís Roberto Barroso & Associados, também instalado em Brasília. Às 15h, pontualmente, chegou nosso entrevistado. Por precaução, liguei dois gravadores. Conversamos sobre o Brasil, sob várias óticas, principalmente a constitucional, mas também a partir da trajetória de Barroso - o Brasil que ele viu e vê, ao longo de seus 53 anos.
Luis Roberto Barroso nasceu na pequena e bela Vassouras, cidade localizada ao sudoeste fluminense e que fora, no século de 19, a principal produtora de café do país. É filho dos advogados Roberto Bernardes Barroso e Judith Luna Soriano Barroso, falecida em 1982. Ele, católico, vassourense, homem do interior; Ela, judia, carioca, cosmopolita - criada em Montevidéu, Uruguai. "Esta marca de como eles respeitavam a origem e as crenças de cada um é uma marca importante que eu tenho em minha vida" costuma dizer o constitucionalista que, aos 15 anos, em função de intercambio estudantil, morou em Michigan, EUA, com uma família presbiteriana e, aos 30, quando cursou Mestrado em Direito Constitucional na Universidade de Yale, também EUA, foi amigo e vizinho de porta de um muçulmano.
Na primeira metade da década de 60, a família Barroso mudou-se para Rio de Janeiro, capital do então estado da Guanabara, em função de aprovação de seu Roberto Bernardes em concurso público do MPE. Ainda assim, até a adolescência, o pequeno Luís esteve bastante presente na pequena cidade, onde passava os finais de semana, curtia a vida rural, andava a cavalo.
Em 1976, Luís Roberto Barroso ingressou nos cursos de Direito - da UERJ - e de Economia e Administração - da PUC/RJ - os quais cursou de forma paralela por dois anos, quando abandonou o segundo, em função das dificuldades com cálculos - naquela fase do curso, mais profundos e em quantidade maior.
O abandono da PUC/RJ coincide com seu intenso engajamento no Movimento Estudantil (ME) e no combate à ditadura, quando integrou a Esquerda Democrática, espécie de frente moderada composta por diversas correntes políticas, como o PCB. Fez parte da equipe do Andaime, jornal que circulava na Faculdade e que era rodado na histórica Tribuna da Imprensa, sempre de madrugada, depois da saída dos censores. Um dia os estudantes-editores foram pegos e chamados a depor. Na formatura, em 1980, algo que lhe doeu e marcou - a sua não escolha para orador, que ele atribui ao tom engajado de seu discurso.
Barroso foi estagiário no Escritório dos sócios Miguel Seabra Fagundes e Eduardo Seabra Fagundes, pai e filho. O primeiro, potiguar que se destacou no cenário jurídico e político nacional e que, no escritório, cumpria a função de parecerista, atividade que o jovem Luís Roberto adorava, o que gerou um convívio intenso com o velho Miguel, bem como uma afetuosa amizade. À Época, Eduardo, o filho, era presidente da OAB, quando por ocasião da explosão da carta-bomba na sede da Ordem - enviada por agentes linha-dura da Ditadura - que matou Dona Lyda Monteiro, funcionária. No enterro, os presentes - dentre os quais, Luís e seus colegas de UERJ - gritavam "vai acabar, vai acabar... a ditadura militar!"
A militância de Barroso no ME criou problemas para sua entrada no quadro docente da UERJ, o que lhe fez sofrer, pois a docência era seu projeto de vida. Conseguiu, depois de muita negociação, em 1982, sob a condição de não lecionar Direito Constitucional (DC), em função do viés político da disciplina, foi o que lhe disseram os que tentavam lhe ajudar. Só em 1986, com concurso para a cadeira, passou a lecionar DC. Também na primeira metade da década de 80, ingressou na PGE do Rio de Janeiro e integrou um movimento chamado Doutrina Brasileira da Efetividade, que pregava a força normativa dos princípios constitucionais, naquela ocasião, da CF de 1969 que, apesar de feita pelos militares, tinha, em seus princípios, componentes avançados, já que eram feitos, a exemplo das demais constituições, para não serem cumpridos.
Ao final da década de 80 - período em que ainda mantinha certo engajamento político - Barroso esteve, por ocasião de seu Mestrado, morando nos EUA, quando procurou estudar também sobre dívida externa, acreditando ser Brizola ou Lula, o próximo presidente do Brasil e, uma vez sendo, seus conhecimentos poderiam ser úteis. Collor venceu.
De volta ao Brasil - insatisfeito com os rendimentos de professor e de Procurador - passou, aos poucos, a advogar, montando, em 1990, seu escritório, herdando a estrutura formal de seu pai, que - ainda que pouco - advogava há 30 anos. É uma característica da PGE/RJ, a permissão para advogar.
Sua advocacia passou a ganhar visibilidade, ao final da década de 90, quando o STF passou a ter a maioria de sua composição nomeada no pós-CF88, tendo os ministros mais compromissos com a referida Carta. O STF passou a ter mais importância e o DC também. "Eu lido com Direito Constitucional desde o tempo em que ele não dava prestigio a ninguém", costuma dizer.
Este período é o inicio da consolidação das idéias nas quais Luís Roberto Barroso sempre militou, como a efetividade normativa dos princípios constitucionais, algo que, no passado, constava apenas no papel, sem força de lei. Como exemplos recentes, no caso brasileiro, o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas, a proibição do nepotismo e a permissão para pesquisas com células-tronco embrionárias - três causas que o constitucionalista advogou e obteve êxito. Nas três, o STF decidiu à luz de princípios constitucionais, ainda que haja ausência de leis a respeito. Por causa disso, o Supremo tem sido acusado de ativismo judicial, o que Barroso não vê como problema. Por causa de tais questões e de outras, ele avalia de forma positiva, os 23 anos da Constituição brasileira. Vê nela mais acertos do que erros.
O Constitucionalista afirma que só aceita causas que o deixem moralmente confortável. Foi assim quando atuou exitosamente contra a extradição do italiano Cesare Battisti. Lamenta, no entanto, que a ocupação italiana na mídia brasileira tenha impedido o povo brasileiro de conhecer a verdade sobre o caso. "Foi um jogo pesado. Um jogo com a marca de Silvio Berlusconi", afirma.
Luis Roberto Barroso é, há 29 anos, professor da UERJ, instituição em que se graduou, em 1980, e, doutorou-se, em 1990, e onde dar aulas na Faculdade de Direito - na Graduação, no Mestrado e no Doutorado. Na UnB, é professor-visitante, no Mestrado e Doutorado em Direito. Costuma passar férias em bibliotecas, em universidades do exterior, como pesquisador-visitante, informal. Em 2011, foi em Harvard, em processo, no entanto, formal. Tem sido professor-visitante nas universidades de Wroclaw, na Polônia, e de Poitiers, na França.
É autor de 13 livros. Ler todos os dias - de livros jurídicos a romances, passando por economia. Para advogados, recomenda Mafalda, personagem de tiras em quadrinhos. "Ela tem três características que eu acho importantes para um advogado: senso de humor, leveza e brevidade", diz. Algo que sempre lhe incomodou, no Direito, foi linguagem empolada - a seu ver, desnecessária. Parte de suas energias, ao longo de sua vida profissional, foi gasta na superação desta condição, o que lhe faz avaliar que compôs uma geração que derrotou tal palavreado ou, pelo menos, desmitificou a idéia de que praticá-lo é sinônimo de maior capacidade intelectual.
Barroso mantém um blog sobre "direito, música e poesia" e chegou a pensar em ser compositor, faltando-lhe, no entanto, talento ao violão, embora se considere razoável letrista. Ele vive entre o Rio de Janeiro e Brasília, para onde sua família - ele é casado e tem dois filhos jovens - se mudou e se encontra bem adaptada. Diz que a vida que tem foi a que escolheu e que, por isso, não opera para vir a ser ministro do STF, embora, se fosse convidado, entenderia como uma missão para com o país e, por isso, aceitaria, salvo em função de situação especialíssima em sua vida.
Luis Roberto Barroso defende um exame nacional de magistratura, como componente dos concursos para juízes, nos tribunais. Entende que o Direito Penal brasileiro está "desarrumado", advogando que, para melhorar, é preciso dar importância à Polícia e ao Sistema Penitenciário, de forma a equipará-los, em termos de status, ao Judiciário e ao MP. Acha que o CNJ foi uma grande idéia, mas que deve ter foco e não atuar no varejo. O Instituto de Direito de Estado e Ações Sociais (Ideias), que criou e preside, elaborou projeto de reforma política para o país e, atualmente, mantém um professor contratado para pensar a universidade brasileira, além de conceder bolsas de estudos. Acha justa a criação da Comissão da Verdade. Enfim, Barroso tem opinião e propostas sobre quase tudo, como ele costuma dizer.
Partes de uma parte destes posicionamentos se encontram nas páginas a seguir, nas quais o leitor poderá, de forma um pouco mais detalhada, conhecê-los, a partir de nossa entrevista. A edição foi feita de forma a manter o máximo de suas palavras. Foram 2h31 de conversa na qual o constitucionalista se manteve, todo tempo, à disposição, de forma educada e bem humorada.
JS - No Movimento Estudantil (ME), na UERJ, o Sr participou da "Esquerda Democrática". Era uma frente?
LRBarroso - A direita estava no poder, ou seja, no ME não tinha direita. Os liberais não estavam propriamente no poder, mas também não queriam muita conversa com a esquerda nem com a resistência à ditadura. De modo que o ME era feito de diversas nuances de esquerda: desde a mais extremada, que defendia luta armada - caso da Libelu - passando pelo Mep e chegando até o PCB e ao grupo que eu participava, que, no meio universitário, se chamava Construção.
JS - Então havia ramificações em outros segmentos...
LRBarroso - Sim. Reunia o Partidão, que era contra a luta armada, o PMDB autêntico.
JS - MDB...
LRBarroso - Isso, MDB autêntico, que tinha o Alencar Furtado, do PR; Ayrton Soares, de SP; Lysâneas Maciel, do RJ.
JS - Fernando Lira...
LRBarroso - Fernando Lira, de PE. E havia pessoas que eram menos ideológicas, mas eram contra a ditadura. Então, no fundo, o Movimento Estudantil era uma grande frente contra a ditadura. O que facilitava a vida, porque havia um adversário comum.
JS - Com a criação do PT, o retorno de Prestes, de Brizola, de Arraes, a unidade ficou difícil...
LRBarroso - O fim da ditadura criou muitas dificuldades para a unidade, tanto do ME quanto da esquerda em geral. Muitas lideranças voltaram com projetos próprios e que não eram convergentes. Isso contribuiu para a fragmentação. Mas, de certa forma, contribuiu também para um pluralismo que eu não acho, em si, negativo.
JS - O Sr fez parte, na época de estudante, da equipe do Andaime, jornal que era financiado através de vendas...
LRBarroso - A gente vendia e financiava a edição seguinte. Tínhamos ajuda da Tribuna e da imprensa.
JS - O Hélio Fernandes...
LRBarroso - Na verdade, era o Hélio Fernandes Filho, que morreu há poucos dias. Ele nos ajudava, por um preço de custo, quase subsidiado.
JS - Vocês nunca foram pegos?
LRBarroso - Fomos pegos uma vez. O pessoal da censura passava de madrugada. Quando eles saíam, nós entrávamos, pagávamos uma grana extra para os linotipistas. Em uma das vezes, os censores, por alguma razão, voltaram e a gente tava lá. Fomos levados, mas não houve violência, apenas depoimento.
JS - O Sr já era advogado quando explodiu a carta-bomba na OAB, em 27/08/1980, que matou D. Lyda Monteiro, 59, funcionária?
LRBarroso - Eu era estagiário do Eduardo Seabra Fagundes.
JS - Na presidência da OAB?
LRBarroso - Não. No escritório dele.
JS - E a experiência de ter vivido aquele ambiente da explosão da bomba...
LRBarroso - Eu soube do atentado à bomba e fui à OAB. Foi uma experiência horrível. Dona Lyda havia morrido, o corpo já não estava mais lá, mas tinha estilhaço por todo lado, cheiro de pólvora, uma confusão enorme. O Eduardo Seabra me pediu pra ir à Baixada Fluminense tentar localizar uma funcionária que poderia ter visto alguma coisa, que tinha voltado pra casa um pouco antes, poderia eventualmente saber como era a carta, ou quem a tinha entregue. Não lembro de detalhes, lembro que fui no meu Chevete até, acho, que Nova Iguaçu. Depois, na UERJ, nós organizamos um grupo muito grande e nos juntamos à manifestação que houve no dia do enterro da Dona Lyda, quando fomos do prédio da OAB ao cemitério São João Batista, andando e gritando a palavra de ordem: "vai acabar, vai acabar, a ditadura militar"
JS - Eduardo, filho do potiguar Miguel Seabra Fagundes...
LRBarroso - Exatamente! Havia dois sócios: O Dr Miguel Seabra Fagundes - jurista e parecerista - e o Eduardo Seabra Fagundes, advogado. Eu até trabalhava um pouco com o Eduardo, mas eu gostava mais da atividade de parecer mesmo, uma atividade intelectualmente mais estimulante que era feita pelo velho Miguel Seabra Fagundes, que foi governador do RN, desembargador do TJRN, Ministro da Justiça, era um homem muito agradável de lidar e escrevia primorosamente bem. Desde que o conheci, passei a prestar atenção em tudo que ele fazia e como ele fazia. E ele também gostava de mim, então muitas coisas que ele estava escrevendo ele compartilhava comigo. Não pra pedir a minha opinião, compartilhava pra eu ler e eu lia com prazer e proveito. Quando me formei ele prefaciou meu livro sobre Federação, que fiz para participar de um concurso. Aliás, o livro valia mais pelo prefácio do que por ele próprio. Usei Federação como pretexto para criticar o regime militar. Eu queria viajar, quando me formasse, e este concurso tinha um prêmio de 03 mil dólares. Tive sorte e ganhei, o que me fez passar 02 meses na Europa, até acabar o dinheiro (risos). Mas, voltando ao escritório, eu era engajado no ME e era bom aluno, aplicado. Eduardo Seabra [1979-1981] sucedeu o [Raymundo] Faoro [1977 - 1979] na presidência da OAB e, portanto, era um pouco continuador de um processo importante de resistência democrática, de vocalização dos anseios da sociedade civil. E então, quando eu quis estagiar, entre o terceiro e o quarto ano, o procurei, bati na porta. Não tive pistolão, não conhecia ninguém. Fui lá, levei currículo e pedi trabalho. E ele disse: "vamos fazer uma experiência". E eu fiquei lá quatro anos. Depois, trabalhei um tempo com o meu pai, quando o Eduardo Seabra foi ser o Procurador Geral do Estado, no governo Brizola. Em seguida, montei meu próprio escritório.
JS - O Sr escreveu um discurso engajado para sua formatura, em 1980, e acabou não sendo o escolhido, o que lhe foi traumático...
LRBarroso - Já passou! (risos)
JS - O Sr já disse que o discurso vencedor foi leve, poético. O Sr faria o mesmo discurso novamente? Considerando aquela conjuntura, claro...
LRBarroso - É difícil dizer. A gente não tem 21 anos duas vezes e o tempo, Rudson, adoça a gente. Eu me considero, ideologicamente, muito próximo ao que eu era quando eu era jovem. Continuo achando que os compromissos da elite intelectual, dos professores, de quem pensa construtivamente o país, deve ser prioritariamente o de assegurar igualdade de oportunidade para as pessoas no inicio da vida. Esta é a minha ideologia. As pessoas devem ter as mesmas oportunidades, quer dizer, meu filho e o filho do meu porteiro devem ter as mesmas chances de acesso à educação, por exemplo. No dia em que nós conquistarmos isso, eu acho que terei realizado os meus sonhos de juventude. Agora, dito isso, na forma, a gente adoça. Eu, hoje, certamente não sou uma pessoa dura e nem panfletária, como eu era naquela época. E a minha vida é mais confortável que era naquela época, mas eu continuo achando a mesma coisa: o papel do Estado e da sociedade é assegurar às pessoas igualdade e oportunidade no momento em que elas começam a vida. Portanto eu acho que ação afirmativa verdadeira envolve creche, pré-escola e ensino fundamental de qualidade. É com isso que eu acho que se faz um país.
JS - Sua participação no ME trouxe problemas ao seu ingresso na UERJ, como professor...
LRBarroso - Trouxe! Eu comecei a me interessar pela política, me aproximar do Movimento Estudantil em 1975 e entrei pra faculdade em 1976. Ainda era um período de censura, ainda era um período de muita intolerância, ainda havia um Departamento de Polícia Política e Social (DPPS) operante, organismos de segurança, gente infiltrada... mas já não havia mais prisões e torturas, o Geisel tinha atuado decisivamente para coibir esse tipo de prática, embora tenha sido no governo Geisel que toda a direção geral do Partido Comunista tenha sido morta. Mas violência, contra estudantes e trabalhadores, já havia arrefecido naquele momento. Mas ainda era uma época ruim, quer dizer, o pessoal era intimado pra depor no DPPS, havia fotografias, a faculdade era dirigida por pessoas que tinham compromissos com o regime militar; então a gente não podia convidar quem a gente queria, os centros acadêmicos eram proibidos. Quando recriamos o Centro Acadêmico Luiz Carpenter (Calc) - CA de Direito da UERJ - passamos a chamá-lo de CALC livre. "Livre" era a senha usada pelo Movimento Estudantil para dizer que não era pelego, não fazia parte do oficalismo. E a gente tinha uma relação tensa com as autoridades universitárias, por conta dessa militância. Quando comecei a dar aula, em 1981, tive problemas. A carreira acadêmica estava começando a se estruturar. O titular era concursado e podia escolher os professores auxiliares, até que, no futuro, viesse a haver concurso. Procurei meu professor de DC e disse: "olha, eu quero dar aula, eu tenho interesse e tal..." Ele fez uns testes e gostou de mim. Então eu comecei a dar aula de DC informalmente para esse professor, até que, um dia, ele me procurou e me disse: "olha Barroso, nós temos um problema, eu fui procurado, há um veto contra você dos organismos de segurança. Você participou muito desse negocio de Movimento Estudantil. Eu sou um magistrado, estou no meio da carreira e não tenho condições de confrontar essas pessoas, então nós vamos adiar nosso projeto". E aí eu disse, "claro". Mas eu fiquei devastado, muito triste. Porque ser professor era - e continua sendo pela vida afora - o meu projeto de vida. Mas eu participava de um grupo de estudos com um professor de Direito Internacional Privado, que tinha sido meu professor, era um grande professor e eu tinha ficado amigo dele. Era um homem conservador, muito tradicional, judeu ortodoxo, mas que gostava de mim, pois - mesmo a gente tendo afinidade políticas - tínhamos afinidades acadêmicas. Ele era um homem sério, estudioso, publicava, valoriza o mérito. E ele disse: "eu vou lhe ajudar". "O Sr não ta entendendo, é o SNI, não tem uma porta para bater", disse-lhe. Ele se chamava Jacob Dolinger, mais judeu impossível. Ele falou com o Oscar Dias Correia, que havia sido Diretor da Faculdade de Direito [de 1976 a 1980] e com o qual eu tinha tido vários embates. Era da velha UDN [havia sido Deputado Federal] de Minas, um homem de direita. Porem, uma das vantagens da vida de você tratar as pessoas com educação é que embora a gente tivesse tido muitas disputas, elas não eram movidas à insultos, eram divergências profundas e, naquela época, insuperáveis. Então quando o Jacob resolveu me ajudar, o Oscar, naquela ocasião, ainda não tinha se tornado ministro do STF, mas já era um concorrente, um prócer, digamos assim, daquele final de Regime Militar [ingressou no STF em abril/1982]. O Jacob o pediu ajuda e ele ficou surpreso, mas depois disse: "se o menino é bom, vamos ajudar". Passados alguns meses, o Jacob me procurou e disse: "consegui eliminar o veto, mas você não pode dar aula de DC, pois é muito próximo de política. Você tem que dar aula de Direito Internacional Privado". A expressão que eu disse na hora, não poderia repetir agora.... E o Jacob, corretamente, disse: "na vida a gente entra pela porta que abre" e me mandou um caixote de livros. Porém, eu precisei ainda de sorte. Na hora de ser contratado, o Diretor da Faculdade de Direito - ligado ao DPPS - disse que não me aceitava. E aí, por uma dessas circunstâncias da vida, o Reitor da UERJ faleceu e tomou posse o vice-reitor, amigo de Jacob e igualmente judeu. "Vamos contratá-lo pela Universidade e não pela Faculdade de Direito", disse o novo Reitor, ao Jacob. Ingressei na UERJ, como professor, em 1982, lecionando Direito Internacional Privado até 1986, quando faleceu Wilson Accioly, professor de DC. Foi aberto concurso para a disciplina e eu passei, iniciando o trabalho no ano seguinte. Sábado passado, fez 20 anos de formatura da minha primeira turma de DC, da qual fui paraninfo. Fui ao Rio só para comemorar com eles, participar da festa, que foi muito bonita.
JS - Quase todo ano, o Sr costuma freqüentar uma universidade estrangeira, como pesquisador visitante...
LRBarroso - Sim. Mas é informalmente. Normalmente eu peço a algum professor amigo "olha, eu quero passar um mês aí". E aí consigo um acesso à biblioteca e vou pra lá e escrevo, faço a minha própria agenda.
JS - Este ano, o Sr esteve em Harvard...
LRBarroso - No caso de Harvard, houve um processo formal. Eu fui pesquisador visitante lá, este semestre. Eu fui porque queria - durante seis meses - olhar o Brasil de longe e escrever um trabalho para publicar.
JS - Nestas estadas, o Sr chega a lecionar?
LRBarroso - As vezes dou palestras, mas não tenho uma turma, especificamente. Mas eu lecionei recentemente em [Universidade de] Poitiers, na França. Fui numa função docente, preparei aulas. Sou fluente em inglês, não em francês. Treinei com a professora de francês e dei as aulas. Foi um desafio. E também fui a Harvard, no mês passado, como professor, participar de um debate com um grande professor americano, Mark Tushnet, sobre uma questão que é importante no Brasil e há um interesse lá: Judicialização da Política.
JS - O Sr, por três vezes, morou fora do país...
LRBarroso - A primeira vez, eu tinha 15 anos, morei em Michigan [EUA], em função de um intercambio. Depois morei em Yale [EUA] em 1988 e um pedaço de 1989, onde fiz mestrado [Universidade de Yale]. E depois que eu terminei o mestrado, eu trabalhei uma temporada num escritório em Washington [EUA]. Por essa época, eu ainda era uma pessoa muito politizada, muito engajada no processo político e achava que o Brizola ou o Lula ia ganhar as eleições de 1989. Então metade do meu tempo em Yale, estudei Dívida Externa brasileira. A outra metade, DC. Fiz uma cadeira chamada International Baking, que era uma discussão sobre a dívida externa. Fiz outra cadeira chamada Internacional Business Transactions que era também para discutir balança comercial, as relações entre os países. Eu me preparava para voltar ao Brasil e ajudar a pensar a dívida externa brasileira, eu queria trabalhar nisso. Mas o Collor venceu e eu não tinha nenhum tipo de ligação ou afinidade com ele, de modo que esse meu estudo sobre dívida externa se perdeu.
JS - E sua trajetória como advogado?
LRBarroso - Começou muito discretamente. Eu não era um advogado de coração, eu era um professor, mas ganhava mal. Fui aprovado em concurso para Procurador do Estado do RJ, ainda no governo Brizola [1983 a 1987], ou seja, eu era um advogado do Estado. Isso já me bastava. Vivia a vida que eu tinha escolhido: eu era professor e tinha um cargo público, que era importante, me dava trabalho, mas não me impedia de ser um acadêmico. Fui para Yale em 1988, tirei uma licença em 89. Quando eu voltei para o Brasil, em 1990, as coisas não andaram tão bem. O Brizola foi eleito governador novamente [1991 a 1994] e, diferentemente do primeiro governo, o Brizola, depois de muitas restrições ao funcionalismo, impôs um teto muito rígido, de modo que somando o que eu ganhava como professor e como Procurador do Estado, dava pouco. Eu era recém-casado, e comecei a advogar um pouquinho...
JS - Mesmo como membro da PGE?
LRBarroso - É uma característica da PGE do Rio. Para recrutar advogados mais preparados e, talvez, menos burocráticos, eles permitem a advocacia. Eu acho que isso compromete um pouco o nível de dedicação - o que é ruim - mas permite que você recrute pessoas com o perfil muito mais operacional. Então tem sido uma conciliação possível no Rio...
JS - Foi o caso de seu pai?
LRBarroso - Sim, embora ele não advogasse muito, ele era verdadeiramente um membro do MP.
JS - No site do escritório consta que ele foi montado em 1990, herdando uma tradição de 30 anos de seu pai...
LRBarroso - Formalmente herdamos a estrutura e ele mesmo se tornou sócio do escritório, então a afirmação é legítima.
JS - Fale mais sobre sua trajetória como advogado...
LRBarroso - Aí comecei a fazer algumas causas privadas. Há uma lenda de que eu tenho uma advocacia muito grande. Mas eu tenho uma advocacia relativamente modesta. Tenho uma equipe maravilhosa que trabalha comigo há muitos anos e tenho uma advocacia de certa visibilidade, mas eu não tenho milhares de processos.
JS - Quando passa haver essa visibilidade?
LRBarroso - Quando o STF se tornou importante. E, como eu advogava no STF...
JS - O Sr gosta de dizer que se dedica ao DC, desde o tempo em que não dava prestigio para ninguém.
LRBarroso - Sim. Prestígio tinha os grandes advogados que advogavam nos TJs.
JS - Quando o STF passa a ter importância?
LRBarroso - O Supremo passa a ganhar importância uns 10 anos depois da CF-88. Porque o constituinte de 1988 - apesar de ter feito uma CF, em certo sentido, progressista - manteve a mesma composição do STF que vinha do tempo da ditadura. Então, na primeira década da nova CF, o Supremo era composto majoritariamente de pessoas respeitadas - algumas de grande conhecimento - mas cujo título de investidura era creditado ao Regime Militar e, portanto, eram pessoas que não tinham compromisso com a Carta de 1988. As principais lideranças do Supremo eram conservadoras, não gostavam da CF-88. Houve nomeações relevantes que começaram a mudar o jogo, eu incluiria entre elas, a do Ministro Sepúlveda Pertence [1989] e a do Ministro Celso de Melo [1989]. Mas eles ainda foram minoria um bom tempo. Depois vieram outras nomeações, mas o jogo vira mesmo depois de 2003, quando se forma uma maioria de juízes nomeados no pós-88, juízes que já tinham compromissos com o Direito Constitucional (DC) transformador e que já viviam um constitucionalismo democrático e normativo. De modo que, quando o DC se torna importante no Brasil, eu estava no habitat que eu havia escolhido para mim, desde antes dele ser importante e, de alguma forma, eu dediquei a minha vida a tentar torná-lo importante.
JS - O Sr já disse que o Direito tem uma tradição ruim que é a da linguagem empolada. Em artigo seu "a revolução da brevidade" há a defesa de um tamanho máximo para os votos e petições. Fale um pouco sobre estas questões...
LRBarroso - A linguagem jurídica - como qualquer linguagem técnica - tem uma terminologia que por vezes é inacessível ao cidadão comum, além de ser esteticamente muito feia. Temos expressões como: mútuo feneratício, eleição de cabecel, anticrese... Eu gosto de dizer que, como o Direito já tem lá seus problemas estéticos e lingüísticos, não é preciso piorá-los, de modo que eu acho que fiz parte de uma geração que procurou dar simplicidade e clareza à linguagem jurídica. Nos meus primeiros discursos aos meus alunos, eu sempre dizia: o importante é ser claro, simples e, tanto quanto possível, breve. Nossa geração enfrentou - e acho que derrotou - uma tradição quase caricata que considerava mais inteligente quem falava mais empolado, mais difícil. Inteligente era quem, ao invés de falar "autorização do cônjuge" falava "outorga uxória"; Ao invés de falar "STF", falava "Excelso Pretório". Acho que hoje ninguém considera mais inteligente quem fala difícil, empolado. Portanto, acho que fizemos uma revolução, ao simplificarmos a linguagem jurídica. Mas não fizemos uma revolução da brevidade. Somos prolixos. O meio jurídico é composto de pessoas que adoram ouvir a própria voz, os votos do Supremo levam horas. O tempo é a mercadoria mais escassa na vida moderna. As pessoas devem ser capazes de otimizá-lo. Claro que o livro de doutrina vai ser um livro analítico de muitas páginas, às vezes um voto escrito pode ter que ser analítico e ter muitas páginas. Porém, o voto oral, a sessão do Supremo, a petição do advogado - em sua parte essencial - devem ser breves. Uma pessoa tem que ser capaz de, ao dedicar 15 minutos, meia-hora a um assunto, ter uma visão do conjunto.
JS - Passados 23 anos, qual sua análise da CF-88?
LRBarroso - Eu acho que, como quase tudo na vida, é possível olhar a CF-1988, de pontos de observação diferentes. Do meu ponto de observação convencional, a CF-1988 simboliza um vertiginoso sucesso: ela assegurou a transição bem sucedida no Brasil, de um Estado autoritário e, muitas vezes violento, para um Estado democrático de direito. Portanto, ela simboliza em primeiro lugar uma transição bem sucedida. Em segundo lugar, a CF-88 propiciou ao país mais de duas décadas de estabilidade institucional, tendo convivido com crises das mais diversas: desde a destituição de um presidente da república até crises como a dos anões do orçamento, a do painel do Senado e crises que, certo ou errado, balançaram o Governo Lula. É claro que olhando para a CF com um olhar crítico, é possível apontar nela alguns defeitos. É prolixa, é mais analítica do que deveria ser, trata de muitas matérias que poderiam ser deixadas para o processo político majoritário e, em grande medida, é corporativista. Há um professor de Direito que diz que essa não é uma CF cidadã, mas sim, chapa branca, porque todas as corporações estão lá. Eu não concordo com a crítica porque acho que ela é radical demais, mas é verdade que a polícia está lá, os cartórios estão lá, os índios estão lá, os idosos estão lá, a infância o adolescente estão lá, os militares estão lá, os juízes também. . O sistema previdenciário está lá, o sistema tributário está lá, a organização de toda administração pública está lá. É uma Constituição atípica no cenário mundial, no sentido de que trata de coisas que, talvez, devessem ter ficado para o processo político majoritário. E qual foi a consequência disso? Mais de 60 emendas, o que compromete, em alguma medida, o papel da Constituição, que é ter uma vocação de permanência e assegurar os valores permanentes ou pelo menos duradouros, sobre os valores contingentes. Porém, dito isso, eu poderia acrescentar que o que a CF-88 de 1988 tem de materialmente constitucional - a organização dos poderes, direitos fundamentais e alguns fins públicos relevantes - permaneceu intocável. O núcleo essencial da CF é o mesmo dos últimos 23 anos. O que tem sido revirado é o que talvez nunca devesse ter entrado na CF.
JS - O Sr já disse que o DC brasileiro passou a sofrer influência do americano em detrimento do francês e, por causa disso, passou a ser visto menos como uma questão política e mais como uma questão jurídica. Foi positivo? Como ocorreu? Fale um pouco sobre...
LRBarroso - Foi extremamente positivo. E não foi um fenômeno puramente brasileiro. A Europa passou a tratar a Constituição como um documento jurídico, normativo. Um documento que servia de fundamento para advogados postularem perante o Poder Judiciário, direitos fundamentais e outras situações previstas nas Cartas. Só a França ficou, para trás, nesse constitucionalismo político, e agora está começando a mudar. Depois da 2ª Guerra Mundial, o mundo se convenceu de que um DC normativo protegido por um tribunal constitucional era uma boa forma de proteger a democracia contra aventuras autoritárias, como o Fascismo, na Itália e o Nazismo, na Alemanha. Um tribunal que protegesse os direitos fundamentais contra as maiorias políticas, de modo que eu diria, filosoficamente, essa foi a transformação. E politicamente, eu acho que não se pode deixar de reconhecer, houve, depois da 2ª Guerra Mundial, uma americanização da vida, para bem e para mal. E este modelo no qual a Constituição é protegida por um Poder Judiciário forte, era o modelo americano de constitucionalismo. De modo que a Europa começou a praticar um constitucionalismo que, em ampla medida, fora praticado nos EUA. Ou seja, a influência dos EUA sobre a economia, a cultura, também se projetou, em alguma medida, sobre o Direito. O mais interessante é que o mundo incorporou o modelo americano, os tribunais passaram a ser agentes de avanços sociais em muitas partes do mundo, no Brasil, inclusive, mas nos EUA, ao final do século 20, houve uma onda conservadora - a partir de Nixon, consolidada com Reagan - que esvaziou a Suprema Corte. Então, curiosamente, os EUA já não praticam verdadeiramente o modelo que eles exportaram para o mundo. Em 1986 publiquei um artigo - escrito no ano anterior - defendendo a efetividade da Constituição. Chamava-se "Por que não uma Constituição para valer?" e partia dessas idéias de uma Constituição normativa.
JS - O STF tem sido acusado de ativismo judicial, assumindo funções do Legislativo. O que o Sr acha?
LRBarroso - Eu faço uma distinção teórica entre judicialização e ativismo. A judicialização no Brasil é um fenômeno que ocorre de maneira muito visível e é produto de um arranjo institucional, na medida em que se tem uma CF excessivamente abrangente, como já falei anteriormente. Tudo que você pensar de relevante está na CF e, potencialmente, pelo menos, permitem uma ação judicial. O ativismo não é produto de um arranjo institucional, não é um fato. O ativismo é uma atitude, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição. Eu diria que o Brasil vive um momento de ampla judicialização, mas de moderado ativismo. No geral, o STF não é ativista, mas, em questões pontuais, tem sido. E é comum dizer-se que o ativismo é como colesterol: tem do bom e do ruim. O ativismo judicial do Supremo até aqui, a meu ver, tem sido do bom, tem produzido certo avanço social. Decisões ativistas importantes - como as proferidas em matéria de uniões homo-afetivas, de nepotismo, de fidelidade partidária - levam os princípios constitucionais a situações que não haviam sido expressamente tratadas, nem pelo constituinte nem pelo legislador. Em matéria penal o Supremo tem tido avanços, em matéria de proteção ao consumidor, proteção aos deficientes. Mesmo na questão polemica das cotas, o Supremo - apesar de não ter uma decisão - não suspendeu a legislação e, às vezes, não decidir é uma forma de decidir, é deixar com que a situação se consolide. Então eu acho que o STF, no geral, tem sido contido, mas quando tem sido ativista, tem sido para o bem.
JS - Há alguma relação deste ativismo com o ocorrido na Suprema Corte dos EUA, de 1953 a 1969, quando Earl Warren a presidiu?
LRBarroso - Não é fácil fazer um paralelo entre o STF brasileiro e a Suprema Corte americana, porque há muitas diferenças quanto à investidura. Lá, um mesmo o presidente fica no cargo até se aposentar, aqui há cada dois anos muda. O processo político americano foi diferente. No que diz respeito ao produto final "ativismo", talvez se possa fazer algum tipo de analogia, embora as grandes questões que mobilizaram Suprema Corte americana de 1954 a 1969 - a Corte Warren, avançando um pouquinho pela década de 70 - foram outras. Lá foram questões como, a questão racial, a proteção dos acusados em processo criminal, os direitos da mulher. Então não há uma identidade de questões, mas lá como aqui, houve uma expansão do poder judiciário, ocupando um espaço que tradicionalmente era do poder legislativo.
JS - Pode-se dizer, então, que o Direito brasileiro está sendo constitucionalizado?
LRBarroso - Certamente!
JS - É isso que se chama Neoconstitucionalismo?
LRBarroso - O Neoconstitucionalismo, ou novo DC, tem por característica essa expansão da Constituição, tem por característica o que por vezes se chama de filtragem constitucional, que é a leitura de todos os ramos do Direito, através Constituição, de modo que o Direito Civil, Administrativo, Penal, passam a ser interpretados de modo a realizar os grandes valores e princípios constitucionais, a começar pela dignidade da pessoa humana e passando pelos direitos fundamentais em geral.
JS - O Sr participou de um movimento nos anos 80 chamado "doutrina brasileira da efetividade"...
LRBarroso - Sim. Era um movimento em busca da normatividade da Constituição, fazer com que ela fosse tratada como documento jurídico e não como documento político. Era um movimento que se socorria filosoficamente, do Positivismo Jurídico, que foi a filosofia do Direito de boa parta do século 20 e que dizia "o Direito é norma". Portanto, só é Direito o que está na norma, mas toda norma é Direito. Usamos este argumento para enfrentar a ideia que prevalecia no Brasil de que a Constituição não era uma norma, mas uma mera convocação à atuação dos poderes políticos do legislador e do executivo. Era preciso derrotar a mentalidade que vigorava no Brasil, em que a classe dominante brasileira expiava as suas culpas pondo na Constituição todas as promessas que não pretendia cumprir, conforme ocorria desde a Constituição imperial, de 1824, que previa que todos eram iguais perante a lei, mas conviveu com os privilégios da nobreza, com o voto censitário e com o regime escravocrata. E se nós dermos um salto no tempo e chegarmos à Constituição de 1969, outorgada pelo ministros militares - três senhores absolutamente insuspeitos de exageros esquerdistas -vamos verificar que esta foi a constituição brasileira que continha o maior elenco de direitos sociais - jamais existentes em qualquer constituição do mundo. Sem medo do ridículo, ela previa, no longo elenco do artigo 165, colônias de férias e clinicas de repouso a todos os trabalhadores. Portanto, colocava-se na constituição o que não era pra ser cumprido e todo mundo achava que estava bem. Então o movimento da efetividade foi contra esta insinceridade normativa da constituição e de resgate da efetividade. Cobrávamos o cumprimento das normas progressistas da Constituição do Regime Militar. Vem a CF-88 e a idéia da efetividade passa por um processo de afirmação - e acho que se torna vitoriosa. Depois, ao longo da década de 90 - na medida em que a Constituição vai se tornando efetiva - a doutrina se torna um pouco mais sofisticada, porque se dá conta de que existem direitos fundamentais que entram em linha de tensão, entre si. A livre iniciativa entra em tensão com a proteção ao consumidor; O desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. E aí surgem formulações um pouco mais contemporâneas, que eu próprio agrupo sob uma denominação geral de "pós-positivismo", marco filosófico do neoconstitucionalismo, que se caracteriza também por uma cultura pós-positivista - reconhecendo a existência de valores, mas também que eles, às vezes, competem entre si - além, claro, de se caracterizar por uma cultura que levou ao centro do sistema, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.
JS - O Sr tem dito que o sistema decisório do STF - agregativo - funcionaria melhor no formato deliberativo. Explique...
LRBarroso - O processo decisório do Supremo é uma soma de votos individuais, cada um vota e depois se faz a soma. Não há, verdadeiramente, um debate, a construção conjunta de uma solução. Ao passo que no método deliberativo se põe uma questão na mesa e as pessoas debatem antes de votarem.
JS - Como ocorre nas casas legislativas...
LRBarroso - No processo político, de maneira geral...
JS - A transmissão ao vivo atrapalharia o método deliberativo, na medida em que pudesse vir a inibir os julgadores, no que se refere a exposição no debate, ao convencimento, a mudança de posição?
LRBarroso - A transmissão ao vivo e a cores para o Brasil é formidável. Mudou o patamar do STF, a compreensão que o povo tem do Judiciário, não consigo imaginar nada melhor. Porém, trás problemas. Em um debate reservado as pessoas podem ir e vir de uma maneira menos inibida. Mas o que se ganha - com a transmissão ao vivo - compensa o que se perde.
JS - E quanto ao acesso ao voto do relator?
LRBarroso - No Supremo, cada um chega com seu voto pronto, sem ter se comunicado com o outro. Eu - assim como o Ministro Marco Aurélio - acho bom que não haja essa comunicação, pois impede o acerto prévio do voto. Porém, eu acho que a tese jurídica que o relator vai sustentar deveria circular previamente, para os demais ministros chegarem preparados para concordar ou divergir. Do jeito que é hoje, os ministros são pegos de surpresa e têm que improvisar o voto - contra ou a favor - ou já terem tido o trabalho de levarem o voto pronto o que, às vezes, se houver coincidências em relação ao voto do relator, é trabalho a toa. Quando não levam o voto pronto - e não há coincidência nos posicionamentos - pedem, frequentemente, vista, porque não estão preparados para divergirem.
JS - O Sr concorda com Súmula Vinculante e com a Repercussão Geral?
LRBarroso - Concordo! Não por uma opção filosófica ou ideológica, mas por uma circunstância da vida, uma posição pragmática. Diante do grau de litigiosidade que há no Brasil, tem que haver mecanismos que racionalizem a prestação da jurisdição e diminuam o numero de processos que chegam aos tribunais superiores.
JS - Inclusive, o Sr tem trabalhos sobre o acesso ao STF...
LRBarroso - Tenho. A idéia que eu defendo - praticada no mundo inteiro - é que o direito de acesso à justiça e o dever do processo legal se realizem em dois graus de jurisdição. Ou seja, todo mundo deve ter direito a dois julgamentos, que cubram as questões de fato. Porém, à jurisdição extraordinária - STJ e STF - tem que haver mecanismos de filtragem. O tribunal que diz que tá julgando 100 mil, 120 mil processos, infelizmente não está.
JS - A ideia de limitar em 11 anos o mandato dos ministros do STF - conforme propõe o ex-Deputado Federal Flávio Dino (PCdoB/MA) - tem sua simpatia?
LRBarroso - O Flávio Dino tem minha simpatia. É um dos bons parlamentares que Brasil já teve. Quero bem a ele. Eu defendi durante muito tempo a idéia do mandato - como ocorre nas cortes constitucionais européias de maneira geral - e no debate à Constituição de 1988 sustentei esta tese. Perdemos. Prevaleceu o modelo americano da vitaliciedade, no qual o sujeito é nomeado fica, no caso brasileiro, até os 70 anos - Nos EUA nem isso, porque lá não há aposentadoria compulsória. Eu acho, Rudson, que pior do que não ter um modelo ideal, é ter um modelo que não se consolida nunca, porque está sempre mudando. Então, eu não mudaria mais. Pode ser problemático um ministro ficar 20, 25 anos, mas pode não ser. Às vezes um juiz que permanece mais tempo ajuda a produzir um equilíbrio, ajuda a impedir que um presidente leve, de arrastão, a composição do STF. E, do ponto de vista prático, o tempo médio de permanência dos ministros do Supremo é de 10, 12 anos. Esta questão foi um pouco um problema porque a composição inicial do STF [pós-88] era residual da ditadura. O problema não era o prazo de mandato daqueles ministros, o problema é que eles vinham de outra era e não tinham compromisso com a Constituição democrática. Hoje, os ministros que estão há mais tempo são Celso de Melo [1989] e Marco Aurélio [1990]. Eu acho bom que eles estejam lá e continuem lá. São bons ministros e dão equilíbrio. Enfim, eu não colocaria o tempo de permanência dos ministros no STF como um problema que a gente precise equacionar. E o mandato geraria um efeito colateral...
JS - Qual ?
LRBarroso - É que depois dos 11 anos o ministro faria o quê? Vai voltar para advocacia? Se for, eu acho ruim. O Supremo passaria a ser um estágio de passagem na carreira.
JS - Mas há uma tradição, mesmo hoje, de ex-ministros advogando?
LRBarroso - Uma coisa é sair aos 70 anos e advogar. Mas não acho bom, para as instituições. Eu acharia, talvez, razoável, um ex-ministro vindo a ser parecerista, consultor jurídico, mas, passados 3 anos, um ex-ministro voltar à tribuna como advogado no Tribunal em que ele foi ministro, não é uma idéia que eu gosto. Eu respeito quem opte por fazer isso, porque a lei permite. Não é uma crítica a quem faz. Mas eu não gostaria de ter uma advocacia repleta de ex ministros do STF se digladiando.
JS - E sua proposta de exame nacional para ingresso na magistratura?
LRBarroso - Um exame nacional, anterior ao concurso que cada tribunal conduziria, diminuiria um pouco o poder de algumas oligarquias judiciárias locais. Há estados em que tudo corre bem, mas há estados onde as coisas, nesses concursos, não se passam como deveriam.
JS - O Sr já disse que o Direito Penal brasileiro encontra-se desarrumado...
LRBarroso - O sistema punitivo - que envolve o direito penal, o processo penal e a lei de execuções - está desarrumado. O sistema punitivo começa na Polícia - com o inquérito policial - passa pelo Ministério Público - que propõe a ação penal - vai ao Judiciário - que conduz o processo penal - e termina no Sistema Penitenciário - onde as pessoas cumprirão penas. O MP teve um salto de qualidade com a CF-88 de 1988; O Poder Judiciário também viveu um momento de grande ascensão política e institucional; Mas a porta de entrada do sistema - que é a Polícia - e a porta de saída - que é o Sistema Penitenciário - estão muito ruins. Há uma percepção equivocada de que a Polícia é algo menor, menos importante e, com isso, o país tem uma polícia mal-equipada, mal-remunerada, mal-treinada, maltratada e que, conseqüentemente, oferece um produto extremamente deficiente e insatisfatório. Uma Polícia que é vizinha de porta da criminalidade e que vive - com todas as ressalvas às muitas pessoas honestas que existem - problemas graves, tanto de corrupção quanto de violência. . A Polícia brasileira apura menos de 10% dos homicídios, portanto o sistema punitivo vai mal porque o inquérito policial é muito ruim. É preciso dar status à polícia, é preciso uma política de estado que dê relevância à Polícia. Sob certos aspectos, a atividade policial é até mais complexa. No extremo oposto está o Sistema Penitenciário, lugar de pobres e negros. Geralmente - embora nem sempre - com certo traço de violência. É que os juízes e os tribunais procuram qualquer filigrana jurídica para não mandar para o Sistema, qualquer pessoa que não seja muito perigosa. Porque o Sistema é tão degradado e tão degradante que o juiz sabe - como eu sei e como você sabe - que ninguém sai do Sistema Penitenciário melhor do que entrou. Não serve nem como prevenção geral, nem como instrumento de ressocialização e nem tem um caráter retributivo, porque a pessoa é condenada à uma pena privativa de liberdade, entra no Sistema e sofre pena de violência sexual, sofre pena de falta de higiene, sofre pena de contrair doenças graves e contagiosas. Portanto, o Sistema penitenciário brasileiro é no geral um desastre. Eu disse no começo da nossa conversa que o Brasil poderá ser considerado um país verdadeiramente civilizado e plenamente democrático quando as pessoas tiverem as mesmas oportunidades no ponto inicial da vida. Bom, eu diria que um segundo critério para aferir o grau de civilidade de um povo é o seu Sistema Penitenciário. Onde ele é embrutecido, se está lidando com um país subdesenvolvido.
JS - O CNJ foi uma iniciativa positiva? O Sr gosta da idéia de controle externo?
LRBarroso - Extremamente positiva. Não sei se é um controle externo, mas acho que foi um controle possível nas circunstâncias políticas em que foi instituído. E acho que ele tem servido bem ao país, embora precise saber separar o varejo da vida do que é verdadeiramente importante. Acho para CNJ o mesmo que acho para o STF: tem que saber escolher o que realmente envolve grandes questões em relação aos quais é preciso passar a mensagem certa ao país.
JS - O Sr acha que o CNJ deve ter autonomia para abrir processos contra juízes?
LRBarroso - Por exceção, sim. Por regra, não. Acho que o CNJ deve determinar às corregedorias que cumpram o seu papel adequadamente em prazos que talvez o próprio CNJ possa fixar. Acho que o CNJ não deve fazer o varejo da fiscalização da magistratura. Deve fiscalizar apenas em situações excepcionais.
JS - O Sr acha interessante o controle externo em outros segmentos da vida?
LRBarroso - Ninguém que exerça um poder político - e a magistratura exerce um poder político - deve estar livre de controles externos. O único "poder" que talvez possa estar fora de controles formais seja a imprensa. Porque a imprensa sofre o controle de quem liga televisão ou de quem compra o jornal.
JS - O Sr já disse que no caso Cesare Battisti o STF não fez interpretação jurídica, mas sim exercício de poder. Explique...
LRBarroso - É importante dizer que eu fui advogado neste caso. As questões que eu respondi até agora foram como professor, que lidou com as questões com um distanciamento. É importante dizer também que, nessa altura da vida, eu não aceito causas que me tragam desconforto jurídico e moral. O advogado não fala por si, mas pelo cliente. O advogado é o profissional que, dentre teses jurídicas alternativas, sustenta aquela que atende melhor ao interesse do seu cliente, nos limites da lei e da ética. É esse o papel social do advogado. Eu sou um advogado que não se apaixona por causas. E acho que o juiz que se apaixona por uma causa faz mal à justiça e mal ao amor. O Direito é, sobretudo, um exercício de racionalidade, um exercício de razão. Pode-se temperar um pouco - com emoção e bons sentimentos - a razão. Mas a emoção não pode ser senhora. No Direito a razão é que deve prevalecer como regra geral. Eu, no geral, não aceito questões que não correspondam exatamente ao meu entendimento, a tese jurídica que eu ache correta. E, por esta razão, eu faço, previamente, uma avaliação crítica, antes de aceitar uma causa. No caso do Cesare Battisti, eu estudei o processo antes de aceitar a causa e só a aceitei depois que eu achei que ela era moral e juridicamente boa. Eu tive um conjunto de razões jurídicas pelas quais eu achava que ele não devia ser extraditado. O Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio, pois considerou que havia dúvidas razoáveis sobre a existência de devido processo legal no segundo julgamento a que Cesare Battisti foi submetido na Itália e condenado à prisão perpétua. As dúvidas do Ministro eram totalmente fundadas. Mas ele podia não ter dado o refúgio. Eu considero que, claramente, a decisão de refúgio é uma decisão política. E acho, com o respeito devido e merecido, que o STF errou quando disse que o ato de refúgio é um ato vinculado e passível de revisão - pelo Supremo - no seu mérito. O STF exerceu um poder. Ele sobrepôs a sua valoração política à valoração feita pelo Ministro da Justiça, com a chancela do Presidente da República. E decisão política no Estado democrático toma quem tem voto. O Supremo deve proteger as regras do jogo democrático e os direitos fundamentais. Sou totalmente convencido de que o Cesare não participou de nenhum daqueles quatro homicídios. Mas, ainda que tivesse participado, eram crimes políticos. Porém, a qualificação de um crime como político ou não pode envolver diferentes pontos de observação. Mas a qualificação do refúgio como um ato vinculado é um erro jurídico - com todo respeito. Então, quando o Supremo anulou o refúgio, praticou um ato de poder e não um ato de direito.
JS - O Sr acha que a mídia impediu a maioria das pessoas de conhecer a verdade sobre o caso Battisti?
LRBarroso - Quando eu entrei na causa - depois que o Ministro Tarso Genro concedeu o refúgio - já havia uma opinião pública formada: Dois ministros do STF, claramente, tinham tomado posição contrária ao Cesare; A Itália tinha feito uma operação de ocupação da mídia, cuja legitimidade eu não questiono; Contratou um advogado, um ex-ministro do STF, além de um outro ex-ministro daquela corte ter, voluntariamente, ajudado a divulgar seus pontos de vista; Um embaixador circulou pelo Supremo e pelas redações; A Itália é um anunciante importante, bem como as múltiplas companhias italianas que operam no Brasil; Silvio Berlusconi transformara o Cesare Battisti em um símbolo do "acerto de contas" com os "anos de chumbo". Portanto, houve uma conspiração de fatores que criaram uma versão para a história, criaram um personagem. O Cesare era uma figura menor, de um movimento político menor. É patético - para não dizer ridículo - que tenham conseguido transformá-lo nesse símbolo. Ele não era uma liderança - militar ou intelectual - da esquerda. Ele não teve nenhuma influência decisiva em nenhuma questão ocorrida na Itália naquele momento. Cesare Battisti foi julgado pela segunda vez e as principais testemunhas de acusação eram os já condenados no primeiro julgamento. Pietro Mutti - delator premiado que mudou a versão inúmeras vezes - colocou a culpa dos quatro homicídios no Cesare, e este foi levado ao segundo julgamento, quando se deram conta de que dois dos homicídios tinham acontecido em lugares diferentes.
JS - No mesmo dia e horário...
LRBarroso - Sim. Aí parte da imprensa, muito solícita pra atender a Itália, escreveu: "ele pegou um trem e conseguiu chegar". Um artificialismo imenso. Pacificou-se a versão da impossibilidade. Tudo a posteriori, quer dizer, a versão vai sendo adaptada a posteriori. Então falaram: "é que em um ele participou do planejamento e no outro, da execução". E aí a pergunta intuitiva: "e pela execução que ele participou do planejamento, quem está condenado?" Ninguém.
JS - Quando ele fugiu da cadeia, a acusação não era de assassinato...
LRBarroso - Não, não era. Ele era um militante da esquerda.
JS - Tanto que ele não estava em um presídio de segurança máxima...
LRBarroso - Estava em um presídio para presos de baixa periculosidade. Eu li o processo e me convenci de que ele foi eleito um bode expiatório. Ele estava em segurança na França - em função do Mitterrand não conceder extradição - e era simples colocar a culpa nele. Ele foi defendido por advogados indicados pelos delatores premiados, quer dizer, o conflito de interesses era evidente. O sujeito disse: "eu não pude defendê-lo porque não estive com ele, não conheci os fatos...". O advogado meramente cumpriu tabela. Não tem nenhuma testemunha, não tem uma arma apreendida, uma perícia. Só delação premiada. Mas eu gostaria de dizer que, do modo como eu penso a vida, ainda que eu achasse que ele tinha participado - eu sou contemporâneo do conflito ideológico da década de 70 e tal como eu penso o que é justo e o que é injusto - punir os derrotados historicamente, 30 anos depois, não é uma forma de fazer justiça, é uma vingança histórica.
JS - Outros países negaram extradições à Itália, inclusive o próprio Brasil, anos atrás, e não houve estardalhaço...
LRBarroso - Três casos de extradição de ex-militantes das Brigadas Vermelhas - que eram um movimento mais importante que o PAC - pessoas igualmente acusadas de homicídio e o STF negou a extradição. Detalhe: Nos três outros casos, a Itália, como é praxe, requereu a extradição, ponto. No caso do Cesare Battisti, eles requereram a extradição, constituíram um advogado - o que é raríssimo um Estado requerente fazer - e moveram mundos e fundos para conseguir. Eu conversei pessoalmente com o representante do Comitê de Refugiados da ONU, que vivia no Brasil, fui pedir ajuda a ele, já que era o papel dele. Esse homem, que mandava documentos ao Supremo em favor do Cesare, foi aterrorizado pela Itália, que conseguiu fazer com que ele fosse removido do Brasil. Não foi um jogo leve, foi um jogo pesado, um jogo com a marca do Silvio Berlusconi.
JS - O quê o Sr acha da Comissão da Verdade?
LRBarroso - Acho que as pessoas têm o direito de saber o que aconteceu. É um direito subjetivo das pessoas e um direito do país o de conhecer sua história, com transparência, de maneira cristalina, de modo que eu sou a favor.
JS - O Sr defendeu - com êxito - a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biosegurança, que permite, em determinadas situações, o uso, em pesquisas, de células-tronco embrionárias. Fale um pouco da causa...
LRBarroso - A lei permitia que embriões congelados, há mais de três anos - excedentes dos processos de fertilização in vitro - pudessem ser destinados à pesquisa científica, se autorizado pelos genitores - os doadores do material genético. Uma lei humanitária questionada no STF pelo Procurador Geral da República sob o argumento de que o embrião congelado era produto de fecundação e, em sua concepção, desde o momento da fecundação já existe vida, devendo assim um embrião congelado ser tratado como uma vida, não podendo ser destinado à pesquisa. Esses embriões, no entanto, jamais seriam implantados em um útero materno, pois eram sobras de processos de fertilização nos quais os pais já tinham tido os filhos que desejavam. Como não há regulamentação, iam ficar lá parados até a consumação dos tempos. Essas pesquisas são a mais promissora fronteira da medicina, porque as células-tronco são as chamas iniciais da formação da pessoa humana. Nessas células está o material genético de todos os tecidos e órgãos do corpo, de modo que há a crença - ainda não confirmada - de que se possam reproduzir células nervosas, pulmonares, de diferentes órgãos, podendo-se salvar vidas e curar doenças como diabetes, mal de Parkinson, distrofia muscular.Sustentamos, em nome dos cientistas e dos deficientes - que foram os que me constituíram para a causa - que a pergunta do PGR - quando começa a vida? - era errada. O início da vida não comporta uma resposta jurídica, é uma questão de fé, filosófica de cada um. A pergunta certa era: o que se deve fazer com embriões congelados que não vão ser implantados em úteros maternos? É melhor descartá-los ou destiná-los às pesquisas para a salvação de vidas? Ganhamos no STF, de forma apertada, 06 a 05. É que no Brasil - embora um Estado Laico - a Igreja Católica tem muito poder. Tenho todo respeito pelo direito da Igreja Católica manifestar o seu ponto de vista e desejar que os seus fiéis sigam-no. É legitimo, faz parte da vida. Mas em um Estado Laico, o Judiciário deve interpretar na pela razão pública e não pela religiosa.
JS - Outra causa que o Sr obteve êxito foi no reconhecimento de uniões estáveis nas relações homoafetivas, na qual foi seguida a linha do Direito Constitucionalizado, que já falamos...
LRBarroso - Embora não existisse, na legislação ordinária, nenhuma previsão de união estável entre pessoas do mesmo sexo, a solução deveria ser tratar as uniões de pessoas do mesmo sexo como as uniões estáveis em geral, pela simples aplicação do princípio da igualdade - que proíbe a distinção em razão de orientação sexual - e pelo princípio da liberdade - tudo que não é proibido pela lei, faz parte da autonomia da vontade do indivíduo. E mais, Rudson, as pessoas devem ter o direto de casar. Se nós achamos que o casamento é uma instituição positiva, que reforça laços, diminui a promiscuidade, favorece a vida social - eu sou casado, a maior parte das pessoas adultas é casada - por que se deveria excluir desta instituição - por causa de orientação sexual - determinado grupo de pessoas? Portanto, ali o que se pedia era a ideia de igualdade, de liberdade e de dignidade da CF integrassem à lacuna do ordenamento jurídico, equiparando situações que eram próximas.
JS - A ADPF 54, que ainda não foi julgada, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, pede a possibilidade de interrupção de gravidez em casos de anencefalia. Mais uma causa em que Sr está à frente e que argumenta à luz de um principio constitucional...
LRBarroso - Pedimos que - à luz do principio constitucional do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana - a norma do Código Penal que considera o aborto crime não incida nestes casos, porque não há potencialidade de vida para o feto e porque causaria um imenso e inútil sofrimento à mulher e todo sofrimento inútil e evitável viola a dignidade da pessoa humana. Neste caso não é aborto e, ainda que o seja, não deve ser punível. A CF está acima do Código Penal.
JS - A ADC movida pela AMB, pedindo o fim do nepotismo, também foi à luz de principio constitucional...
LRBarroso - A AMB, na gestão do Rodrigo Colaço [2005 - 2007], em um movimento de grande alcance institucional, optou - em lugar de tomar a posição coorporativa - por enfrentar o nepotismo no Judiciário. Quando o CNJ editou uma resolução vedando o nepotismo, os TJs, sobretudo, em sua maioria, ignoraram, sob o argumento que não havia lei e, restrição de direito, só com lei. A AMB me procurou, querendo defender a resolução. Estudamos o caso e optamos por uma ADC, que eu tive dúvida de propor, porque é "patinho feio" das ações. Criada pela emenda constitucional nº 3, de1993, basicamente por um interesse da Fazenda Pública, era vista com reserva pelo STF em geral, sobretudo pelos ministros nomeados pós-regime militar. Porém, era a única solução para levar essa matéria ao Supremo e só o Supremo pode produzir uma decisão nacionalmente vinculante. Propusemos a Ação para dizer que a resolução do CNJ não violava o princípio da reserva legal - que exige lei para impor uma restrição de direito - porque, estava meramente dando cumprimento a dois princípios constitucionais: o da moralidade e o da impessoalidade. Não era uma inovação na ordem jurídica, mas a especificação de uma regra que decorrente de um principio constitucional. Era uma tese nunca testada no Supremo - a de que se pode extrair de um princípio, uma regra concreta que substitua a necessidade de uma lei. O Supremo endossou por uma maioria muito significativa essa...
JS - E foi exportado para os outros poderes...
LRBarroso - Essa decisão teve como relator o Ministro Carlos Ayres Brito. Em seguida, O Ministro [Ricardo] Lewandowski - que tinha dois recursos extraordinários em casos envolvendo os outros dois poderes - levou-os a julgamento no dia seguinte e pediu que fosse anunciado uma súmula vinculante o que foi aprovado e, efetivamente, o nepotismo foi proibido nos três poderes. Foi uma grande conquista via Judiciário.
JS - O Sr criou e preside o Instituto Ideias, que edita a Revista de Direito de Estado (RDE) e concede bolsas de estudo...
LRBarroso - Reuní um grupo de ex-alunos no Instituto, que é financiado pelo Escritório. É uma espécie de ação social. Concedemos bolsas de estudo, editamos a RDE - em parte financiada por nós - e elaboramos projetos para o Brasil. Fizemos um projeto de reforma política, uma proposta puro-sangue, ninguém encomendou. Agora estamos financiando um estudo sobre a universidade.
JS - A reforma universitária...
LRBarroso - Eu não gosto da expressão "reforma universitária" porque em toda parte do mundo, Rudson, toda as modificações muito profundas e sensíveis na universidade geram um tal nível de reação que a energia que para fazer a reforma é toda consumida na disputa política. Eu não gostaria de confrontar a universidade que esta aí - embora ela possa ser melhorada. Eu gostaria de pensar um modelo alternativo de universidade, no qual ela fosse pública nos seus propósitos, mas não necessariamente financiada com o dinheiro público. O país é pobre ainda e precisa investir em ensino fundamental, na universalização do ensino médio. Temos que pensar uma universidade que seja capaz de andar com as próprias pernas e deixar a maior parte do dinheiro para quem precisa mais. Contratamos um professor brasileiro - também professor da Kennedy School, em Harvard - para pesquisar um modelo alternativo. Não há nenhum país do mundo que tenha saído do subdesenvolvimento, verdadeiramente, sem uma grande universidade.
JS - E a reforma política?
LRBarroso - A reforma política está emperrada, então eu - ao fazer a conferência de encerramento da Conferência Nacional da OAB - fiz 10 propostas para o Brasil. E uma delas, para sair do impasse, é a realização de um plebiscito sobre a reforma política, na verdade uma consulta popular, em que eu sugiro que o povo brasileiro seja convocado a responder a três perguntas: A primeira: se ele deseja o sistema proporcional, como é hoje; se deseja um sistema majoritário - distritão - como propõem alguns; ou se deseja um sistema distrital misto, como o que consta em minha proposta; A Segunda pergunta: se deseja uma lista fechada ou pré-ordenada; ou se deseja uma lista aberta ou não ordenada. E a terceira pergunta: é se as pessoas desejam financiamento estritamente privado como é hoje; exclusivamente público; ou um misto, público admitindo pessoas físicas contribuírem até um determinado teto. Eu acho que a ideia do plebiscito tira a reforma política do limbo. Se o povo brasileiro ratificar o modelo que existe, paciência. Ele vai subsistir com mais legitimidade.
JS - O Se não acha que o debate sobre reforma política se prende apenas na questão eleitoral, deixando de lado coisas importantes, como mecanismos de participação direta da população?
LRBarroso - Quanto aos mecanismos de participação direta - embora eu esteja propondo uma consulta popular - eu preciso confessar a você que eu sou relativamente cético da participação popular via plebiscito ou via referendo. Eu gosto mais da participação popular via movimento social, via debate público, via redes sociais, via imprensa. Os plebiscitos são altamente manipuláveis, como fez Napoleão na França, Hitler na Alemanha - e para quem concorda - o Chávez na Venezuela. Plebiscitos permitem uma manipulação popular e no Brasil nós assistimos isso no plebiscito do desarmamento que, por falta de sorte, coincidiu com um raro momento de desprestígio do governo Lula, pois foi próximo do mensalão, o que afetou o resultado. Eu não sou contra os plebiscitos, mas sou cético porque eles sofrem influências que não são as da pura racionalidade. O presidente Lula conseguiu um fenômeno que foi pulverizar um pouco os formadores de opinião no Brasil. Porque ele foi beneficiário do crescimento da internet, dos blogs. O Brasil é um país que tem meia dúzia de formadores de opinião e quase todos atuam sobre a classe média, sobretudo: Globo, Folha, Estadão, Veja e outros. Com raras exceções, os formadores de opinião estiveram contra o Lula. Críticas duras, severas. Não obstante a isso, o presidente deixou o poder com uma popularidade de 80%. Numa democracia, isso é um fenômeno. É fácil em ditaduras: Getúlio tinha grande apoio popular; o Médici, em um determinando momento, teve grande apoio popular. Há um fenômeno novo no Brasil que é uma opinião pública formada pelos movimentos sociais, pelos Sindicatos, pelos blogs, pelas redes sociais. É um fenômeno novo e muito diferenciado no qual a opinião pública já não tem mais um pequeno condomínio de donos. Não sei se esse fenômeno se repetirá com outra pessoa que não tenha as características do presidente Lula. Eu acredito, mais do que em consultas diretas, na democracia deliberativa feita do debate público amplo do qual participem não apenas os grandes formadores de opinião tradicionais, mas o movimento social e esta opinião atomizada da internet e das redes sociais.
JS - Lula e FHC?
LRBarroso - O FH e o Lula são co-protagonistas de um país novo que eu assisti na minha idade adulta. O FH ajudou a arrumar a casa e o Lula potencializou o que herdou de bom e fez outras muitas coisas novas.
JS - O Sr é autor de 13 livros. Em geral, são referências no ensino de DC. O Sr citaria algum em especial?
LRBarroso - Um está esgotado e vou precisar de um tempo para reescrever, chama-se "O DC e a Efetividade de suas Normas" que foi um livro importante da Doutrina Brasileira da Efetividade. Outro foi a minha tese de titularidade, que se chama "Interpretação e Aplicação da Constituição". Depois escrevi "O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro", que é o que mais vende. Nele, eu discuto o funcionamento do STF e as ações que são levadas ao Ele. Tem também "Curso de Direito Constitucional", no qual tento agregar ao debate contemporâneo questões como democracia, neoconstitucionalismo. O título original era "Transformações do Direito Constitucional Contemporâneo," mas, por razões comerciais, a editora publicou como "Curso". Estou escrevendo o 2º volume. Tenho ainda uma coleção de quatro livros chamados "Temas de Direito Constitucional". Neles, eu agrupo artigos, pareceres, às vezes artigos de jornais, às vezes discursos de formatura, coisas que eu fui escrevendo ao longo do período. Ou seja, a cada 4, 5 anos, eu reúno os meus escritos esparços e publico um "Temas".
JS - O Sr pensa em ser ministro do STF?
LRBarroso - Eu vivo a vida que escolhi e sou muito feliz e realizado nela. No Brasil há certa percepção geral de que não há vida fora do poder. Eu vivi a minha vida toda fora do poder e não sinto nenhuma falta, portanto eu não tenho um projeto pessoal - e nem articulação - de ir para o STF. Mas quando eventualmente falam no meu nome eu fico lisonjeado e não trato com desimportâcia e nem com indiferença.
JS - Mas aceitaria?
LRBarroso - Depende do momento da vida, mas se algum presidente me convidasse - salvo se for num momento em que haja alguma situação especialíssima na minha vida - eu não recusaria. É uma missão para servir ao país. Já tendo satisfeito muitas das minhas necessidades materiais, eu já dedico uma parte razoável do meu tempo a pensar o Brasil: de fazer uma proposta de reforma política, de pensar uma reforma para a universidade, de fazer 10 propostas para o Brasil. Então eu não recusaria, mas eu não tenho certeza se lá é o meu lugar.
JS - Possui quatro bibliotecas - no Rio de janeiro e em Brasília - e costuma passar férias em bibliotecas, no exterior. O Sr ler todos os dias?
LRBarroso - Quais são seus horários de leitura e quais estilos literários costuma ler? Minha vida é dividida em uma parte acadêmica, uma parte como advogado. Eu estudo ou escrevo nas manhãs das segundas, terças e quartas. Nas manhãs de quintas e sextas, eu dou aulas. Depois do almoço viro advogado. Eu geralmente leio a noite, todos os dias, mas sem compromissos jurídicos, posso ler desde um Best-seller até um livro sobre economia. Estou lendo um livro chamado Justice - que acaba até de sair no Brasil - de um professor chamado Michael Sandel, sobre filosofia em geral. O tenho lido nos vôos -viajo muito de avião - então essa é minha leitura de vôo, quando não estou trabalhando em algum parecer. De noite, para dormir, eu leio os Best-sellers mais leves, sem muita culpa. Procuro ler, na medida do possível, alguma coisa de literatura em língua inglesa ou francesa, é quando eu pratico. Estou acabando de ler um Best-seller chamado The Litigators de um autor americano que vende muito e escreve sobre tribunais, chamado John Grisham. Não chega a ser literatura, é entretenimento, mas o sujeito escreve muito bem. Estou lendo um livro sobre noções básicas de economia, que traz algumas coisas que eu quero entender melhor; e estou lendo um livro de uma cientista política brasileira - que está agora na Alemanha - sobre judicialização da política, representação, para participar de um debate com ela mesma na semana que vem no Rio.
JS - Por que o Sr recomenda Mafalda aos advogados?
LRBarroso - Ela tem três características que eu acho importantes para um advogado: senso de humor, leveza e brevidade.
JS - E ela argumenta bem...
LRBarroso - Sim, ela tem uma grande capacidade de argumentação. E eu gosto - mas isso é um problema meu - do ponto de observação político dela.
JS - O Sr tem um blog que aborda além de questões jurídicas, músicas e poesias..
LRBarroso - Chama-se "Direito, música e poesia". Lá eu tenho peças jurídicas, artigos e uma seleção de músicas e de poesias, e tenho um blog no qual eu imaginava fazer muitos comentários, mas não consigo. Por falta de tempo e por ser uma pessoa relativamente reservada - eu não faço parte dessa onda contemporânea de auto-exposição. Eu tenho idéias sobre quase tudo que você me perguntar: de aborto a transposição do Rio São Francisco. Mas a minha agenda é construtiva, eu não gosto de fulanizar, de criticar pessoas, de fazer críticas morais. Então eu não sirvo para ser blogueiro, porque este tem que ter uma disposição crítica muito grande. Não que eu ache errado quem faz. Gosto de compartilhar um julgamento, um artigo. Tirando os livros, por causa de contratos com as editoras - dou acesso a tudo o que eu escrevo. O conhecimento acadêmico é para ser disseminado. O sujeito que sabe alguma coisa e guarda para si, não está cumprindo sua missão social. Porém, acho um direito só publicar em revistas que vão ser vendidas. Tento responder e-mails. Nem sempre consigo. Termino o dia com uns 100 e-mails, fora os que li. Fico triste por não responder todos. Sempre que eu acho que tenho alguma coisa interessante eu coloco no blog e faço comentários esparços, às vezes defendo alguns amigos, quando acho que alguém é vítima de injustiça.
JS - O Sr defendeu o Sepulveda Pertence...
LRBarroso - O Pertence eu defendi. O Pedro Abramovay, quando saiu do MJ, o defendi, porque eu gosto dele, é um cara bacana. O Carlos Ayres Brito, quando aconteceu o episódio do ex-genro. O Carlos é um sujeito decentíssimo, um absurdo qualquer especulação negativa sobre ele.
JS - O Sr pensou em seguir outra carreira?
LRBarroso - Compositor. Cheguei até a tirar segundo lugar em um festival da canção do interior, nada de grande. Eu gostava muito de poesia e eu era um letrista razoável, mas eu não era um bom músico, eu não tocava bem violão. Na época que eu treinava, até que eu tocava mais ou menos, mas eu não tinha um bom ouvido, o que dificulta. Então eu dependia de parceiros e isso limita muito.
JS - O flamenguista Luis Roberto Barroso frequenta estádios?
LRBarroso - Hoje em dia eu não sou um freqüentador de estádio - dentre outras razões, mas não só essa - porque eu passo a maior parte dos meus fins de semana em Brasília, pois minha mulher e os meus filhos agora estão aqui. E se eu freqüentasse seria no Rio de Janeiro. Não sei se é por preguiça ou certa dificuldade em lidar com aglomerações: Eu assisto cinema em casa e jogo de futebol também. Eu assino os jogos do campeonato brasileiro e assisto aos jogos do Flamengo, com os meus filhos. Ainda ontem assisti o Flamengo empatar com o Vasco. Há muitos anos eu não freqüento estádios, mas estou informado sobre esportes, em geral.
Edição: Rudson Pinheiro Soares
Transcrição: Sylara Silvério
Fotos: Vinicius Mansur
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